domingo, 30 de dezembro de 2007

O Segredo do Subterrâneo do Toural ou A Cobiça - VI

[… continuado de aqui]

Onde, finalmente, se desvenda "o segredo que se oculta por trás de tanta e tão súbita vontade de escavacar o Toural".


α, que perseguia, no ranço dos papéis velhos, o rasto das invasões francesas em terras de Guimarães, não teve dificuldade em perceber de que tratava o escrito do Mestre-Escola.

Em Outubro de 1807, o D. Prior da Colegiada recebeu uma carta do príncipe regente em que mandava pesar e inventariar as pratas da Colegiada, para que fossem recolhidas nos mosteiros de Santa Cruz de Coimbra, Tomar ou Palmela. Esta ordem seria anulada por carta régia de 19 de Dezembro. Mas as pratas continuavam em risco, pelo que o Cabido decidiu esconder as mais valiosas, até que passasse a ameaça francesa. Foram introduzidas em quatro arcas de madeira, que se confiaram ao mestre-escola e a dois dos cónegos para que as colocassem em salvamento. Mas ninguém voltaria a pôr a vista em cima daquele tesouro: todos os que conheciam o seu esconderijo morreram antes que fosse resgatado, numa sucessão de trágicas coincidências, como se tivessem sido atingidos por uma maldição sinistra. Esta história é conhecida dos que, como α, conhecem a história da Colegiada de Guimarães.

Ao ler o que encontrou, α ficou dividido, entre a glória do descobridor e os acenos da cobiça. Como, dos humanos sentimentos, triunfam, em geral, os mais baixos, α tratou de esconder o papel e de congeminar o meio para chegar à prata.

No campo maior de correr toiros trinta e dous paços para lá da fonte na direitura do velho das barbas maiores hua grande lagem cimquo palmos por baixo da qual coatro caixoens com grande aver furtado aos gallicos aos vimte e hu de 10bro de oito cemtos & sete.

A mensagem era, afinal, clara como a água:

No Toural, a 32 passos do chafariz, na direcção para onde aponta uma das bicas onde está a cara de um homem com barbas grandes, debaixo de uma laje, a cinco palmos de profundidade, estão quatro caixões com um tesouro escondido dos franceses em 21 de Dezembro de 1807.

Com método e rigor cirúrgicos, α congeminou um plano quase diabólico. À primeira vista, havia duas dificuldades aparentemente insuperáveis: a primeira, era descobrir como desenterrar um tesouro escondido em plena praça pública sem atrair atenções indesejáveis; a segunda, porque o chafariz foi retirado do Toural há bem mais de um século, não era possível determinar em que direcção é que apontava o “velho das barbas maiores”: sendo o chafariz de configuração circular, a bica do velho poderia estar voltado para qualquer direcção. Só viu uma solução, que jamais poderia concretizar sozinho, pelo que tratou de a arranjar aliados: um arqueólogo, um empreiteiro e alguém capaz de mexer os cordelinhos nos corredores de Santa Clara.

Foi assim que nasceu o grande projecto: escavar todo o Toural.

Depois, foi só pôr a engrenagem em andamento, começando por convencer quem devia ser convencido das inesgotáveis virtudes e da infinita necessidade da construção de um aparcamento e de um túnel subterrâneos. Depois de aprovado o projecto, o arqueólogo apresentará uma proposta imbatível para os imprescindíveis trabalhos de prospecção arqueológica, que se propõe realizar sem nada receber em troca, pelo seu muito amor à ciência, e o empreiteiro aparecerá, a seu tempo, com um preço à prova de concorrência para os trabalhos de escavação e remoção de inertes. O golpe do século já está em marcha em Guimarães.

Moral desta história:

“A ambição é, entre todas as paixões humanas, a mais ferina nas suas aspirações e a mais desenfreada nas suas cobiças e, todavia, a mais astuta no intento e a mais ardilosa nos planos.” (Bossuet)

FIM ?

O Segredo do Subterrâneo do Toural ou A Cobiça - V

[… continuado de aqui]


Onde se acha e quase se desvenda o segredo do Mestre-Escola.

Em sendo dado à terra o Mestre-Escola, Severina foi ao encontro do seu destino. Lançada à rua pelos herdeiros do reverendo, recolheu-se em casa da Emília Mata-Homens, na rua do Gado, onde se devotou, como prestadora de serviços, ao mester da casa. Fez-se mulher de porta aberta, pela muita necessidade e pelo pouco desprazer. Conservou o segredo do Mestre-Escola, cosido na barra da saia, até que se tomou de amores por um estudante que introduzira nas artes sensuais, Jerónimo das Lamelas, a quem quis oferecer uma demonstração do seu bem-querer. Contou-lhe que guardava um segredo e retirou, da barra da saia, um papel amarelecido. Jerónimo leu

No campo maior de correr toiros trinta e dous paços para lá da fonte na direitura do velho das barbas maiores hua grande lagem cimquo palmos por baixo da qual coatro caixoens com grande aver furtado aos gallicos aos vimte e hu de 10bro de oito cemtos & sete.

e confessou não atinar com o sentido do que ali estava escrito.

Foi assim que o escrito passou para a casa das Lamelas, onde, depois de lhe dar muitas voltas, Jerónimo o esqueceu no meio do volume do Itinerario da Terra Sancta e suas particularidades, composto por frey Pantaliam Daveiro. Mais tarde, a biblioteca das Lamelas foi parar às mãos de um célebre jurisconsulto vimaranense, que deixou os seus livros em testamento à Sociedade Martins Sarmento, onde o segredo do Mestre-Escola continuou bem guardado no aconchego das páginas do relato da peregrinação de Frei Pantaleão de Aveiro. Até que, mais de um século passado, foi encontrado e decifrado por α, um famigerado rato das bibliotecas indígenas.

sábado, 29 de dezembro de 2007

Até os Mortos São Convocados

Cada vez mais me convenço que muito grande será o segredo que faz mover a determinação de estripar o Toural, agora que vejo que até os mortos são convocados ao Além para virem esgrimir argumentos em sua defesa.

[Vd. Povo de Guimarães, jornal refractário a pseudónimos onde impera a lei de Olívio Chamado, n.º 1452, 28 de Dezembro de 2007, pág. 4]

O Segredo do Subterrâneo do Toural ou A Cobiça - IV

[… continuado de aqui]

No mesmo dia em que tiraram o infortunado capinha do poço da Madroa, o Mestre-Escola da Colegiada Dionísio Vicente chegou a casa com os bofes carregados de vinho. Não demorou muito para se atirar para cima da sua manceba Severina, a Cara Linda. No meio da refrega, confidenciou-lhe que estava rico, muito rico, que ia partir para a Corte e que ia levar a sua cabritinha Severina com ele. Fosse pelo destempero dos jogos carnais, fosse pelo avinhado que estava, fosse pela comoção que o acometia, Severina sentiu o reverendo burgesso começar a arfar desalmadamente. Pela luz esparsa que irradiava da vela que iluminava o quarto, viu-o ficar roxo, cada vez mais roxo, roxinho. Até que se foi, com um espasmo e sem um ai Jesus!, ali mesmo, em cima dela, trespassado por um estupor apopléctico fulminante.

Severina empurrou de cima de si a visão da morte. Apesar do medo que a assaltou, recompôs-se, como sempre fora moça precavida, antes de gritar por ajuda, descoseu a bainha da manga do reverendo, de onde retirou o papel que, havia algum tempo, ele lhe tinha pedido para ocultar na velha jaqueta que nunca largava. Soubesse ela ler, e teria ficado a conhecer o segredo funesto do Mestre-Escola. Não sabia, mas tratou de guardar o papel em bom recato.

[a continuar...]

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

O Segredo do Subterrâneo do Toural ou A Cobiça - III

[… continuado de aqui]

Aqui se continua a relação muito fiel e verdadeira do segredo singular que se esconde nas profundezas do Toural, na muito antiga cidade de Guimarães.

Por aqueles dias turbulentos em que a ameaça francesa se instalou nesta terra, uma improvável sucessão de coincidências trágicas abateu-se sobre a Colegiada de Guimarães.

Em finais de Junho de 1808, quando marchava de encontro aos franceses, na retaguarda do heróico Batalhão de Privilegiados de Nossa Senhora da Oliveira, o Cónego Francisco de Góis, tombou fulminado por um tiro de bacamarte que lhe trespassara o coração. A morte do cónego causou certa admiração, já que na altura não se viam franceses por perto. Quando fez o auto do óbito, ao observar a trajectória da bala, o cirurgião da tropa perguntou se o reverendo marchava às arrecuas. Responderam-lhe que não. Houve quem jurasse que o tiro não tinha partido do inimigo.

Algum tempo depois, ainda naquele ano, Jerónimo, criado do Mestre-Escola da Colegiada Dionísio Vicente, envolveu-se numa rixa à porta do botequim do Quatro-Olhos. Quando acudiram aos seus gritos, deram com ele já sem sinais de vida, tombado de borco numa poça de sangue.

No dia 4 de Janeiro de 1810, Celestino Ventuzelas, sacristão da Colegiada, quando começava tocar as matinas, teve morte súbita, com o crânio rebentado pelo badalo do sino maior que, sem que se perceba como, se soltou antes que se escutasse a primeira badalada.

Ainda dois anos não eram passados, em Novembro de 1812, quando seguia a caminho da sua casa em Gominhães, o Cónego Alberto de Lemelhe foi atacado por um bando de salteadores. Morreu de morte lenta, esvaindo-se em sangue com uma faca espetada no ventre.

Por essa altura, o capinha da Colegiada Martinho do Santo Espírito começou a das mostras de grande perturbação. Passava os dias prostrado de joelhos na Igreja, a rezar, entre choros e gemidos. Nas ruas, andava em passos assustado, como se tivesse medo da sua própria sombra. Dizia que estava amaldiçoado. Quem o via, diria que tinha ensandecido. Andou desaparecido para cima de uma semana. Até que apareceu a boiar no fundo de um poço, na Madroa. Quase ninguém teve dúvidas: na sua demência, pusera fim à vida que se lhe tornara num fardo insuportável. Só ninguém explicou porque é que tinha as mãos atacadas atrás das costas.

[a continuar...]

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

O Segredo do Subterrâneo do Toural ou A Cobiça - II

[… continuado de aqui]

Meados de Dezembro de 1807, tempos de desassossego em terras de Portugal. Era madrugada, já longe na noite, mas ainda distante da hora do galo. Um manto de névoa estende-se no horizonte, envolvendo as silhuetas descobertas pelos fios esparsos da Lua Cheia que se escoavam por entre nuvens com prenúncios de dilúvio. O cego de S. Domingos, de orelha alerta, escuta, por entre o murmúrio da água que escorre das bicas do chafariz, o rumor da terra escavada. Há horas que escavam, revezando-se uns aos outros. A certa altura, ouviu o som metálico da lâmina da enxada a percutir em pedra. E uma voz surda, como que vinda do fundo de um poço: aqui já só tem pedra, ajudem-nos a subir. Não tardou muito, e o cego escutou distintamente o mesmo som seco que lhe chegava aos ouvidos no cemitério do Campo Santo, o som do caixão quando desce à terra, seguro por cordas. Não tardou muito, ouviu, três vezes, madeira a bater pesadamente sobre madeira. Depois, continuou aquele estranho ritual com ressonâncias fúnebres: primeira o eco da terra a cair sobre o caixão de madeira, a que se segue o som abafado de terra despejada sobre terra. Agora, a laje, ouviu sussurrar, com os seus ouvidos de cego. Àquela distância, conseguia perceber distintamente as vozes de oua-ei, oua-ei. Contou seis vozes diferentes, pouco mais do que gemidos abafados, acompanhando um pesado arrastar. Até que pedra bate em pedra. Está feito, ciciou alguém, vamos embora. O cego pressentiu passos pesados que se espalham em diferentes direcções. Se pudesse ver, teria visto seis vultos furtivos, carregando grandes cestos cheios de terra, cada qual seguindo por seu caminho. O dia não nasceria sem que uma chuva impiedosa caísse sobre a vila, encharcando a grande praça e formando regos que escorriam pelo inclinado do terreno, arrastando vestígios de terra revolta em direcção contrária àquela de onde os primeiros sinais do dia começavam a despontar.

[a continuar...]

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

O Segredo do Subterrâneo do Toural ou A Cobiça - I

Desafiam-me para que desvende "o segredo que se oculta por trás de tanta e tão súbita vontade de escavacar o Toural". Hesito em fazê-lo, pelo muito que estimo a minha pele. A verdade é que existe, mesmo, um segredo por trás da intenção de construir um túnel e um parque subterrâneo no Toural. Um segredo velho de dois séculos, que já fez escorrer sangue, muito sangue, suor e lágrimas. É uma trama muito enredada, porém fiel e verdadeira, com ingredientes de ganância, traição, loucura e morte, salpicada com uma pitada de sexo e envolvida em muita, muita violência. Já esteve escondido na manga dum padre, na barra da saia de uma meretriz e entre as páginas do Itinerario da Terra Sancta e suas particularidades, composto por frey Pantaliam Daveiro. Por ele, já se cometeram os crimes mais nefandos, já se matou e já morreu mais de uma mão cheia de homens. O que está por trás da intenção de esventrar o Toural é um terrível pecado, do rol dos sete pecados mortais: a cobiça. Assim que me puser a recato, explico-vos porquê.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Almoços Grátis Também Se Pagam ou a Soltura e o Fantasma

É o que dá o Natal. Este ano, comecei a via sacra das ceias ainda Dezembro ia no princípio. Depois da vigésima, o acumulado do bolo-rei, das rabanadas e dos mexidos mexeu-me com as entranhas, e vi-me constrangido a imitar o Olaf Oleiros quando vai fazer exames. Vinha eu a subir pela antiga rua das Oliveiras, onde agora tem a sua graça o zarolho que escreveu Os Lusíadas, quando começou a guerra intestina. Mal deu tempo de chegar às gloriosas retretes públicas que encimam a mais poética das artérias da cidade, onde fui recebido com a notícia de que, por força de uma momentânea ruptura no aprovisionamento, havia falta de papel higiénico. Mas não tem problema, sossegou-me a gentil senhora que me deu a novidade, arranja-se aqui um papel que serve muito bem para o efeito. Contrafeito (mas que havia eu de fazer?) agarrei nas folhas de jornal que me eram estendidas e fui-me ao serviço.

Como o desarranjo dava mostras de demorar, à falta de que fazer, deu-me para ir lendo os despojos do jornal que tinha entre mãos.

Foi então que me deparei com uma notícia, que não era bem uma notícia, nem era bem uma crónica, nem era bem um texto de opinião, nem sequer era bem uma reportagem, nem qualquer outra coisa que eu seja capaz de classificar, assinada por ninguém, e que falava de certos prós e contras acerca do Toural, onde terá estado, de um lado, “um dos autores da proposta de transformação do Toural para o século XXI” e, do outro, “a sociedade civil, alegadamente organizada para bater o pé às ideias de mudar o aspecto, tirar as árvores, logo impedir que haja um parque de estacionamento subterrâneo”. Alegadamente, a coisa prometia.

O ghost writer começa com um lamento: o debate foi curto e não permitiu “tentar um compromisso entre as duas tendências que se começam a cristalizar”. O que importa, diz o fantasma, é “ter uma mente aberta, no estilo inglês”. E, como quem não quer a coisa, vai dando um ralhete ao autor do projecto do Toural para o século XXI: bem que “podia ajuntar mais argumentos em favor da proposta de revolução que propõe”. E aproveita para atirar um, de sua lavra: “a praça manterá a sua afeição porque não podemos esquecer que o Toural também são os prédios à volta, os estabelecimentos comerciais, a igreja de S. Pedro e as pombas!”. Sim, meus caros, as pombas, as malditas pombas que cagam tudo, também são Toural!

Depois de ficar a saber que, do lado dos prós, também esteve o enigmático senhor F., descobri que a “voz dos contras” tem “ideias polémicas”. A “mais notável”, é a inaudita lembrança de deixar o trânsito a circular no Toural, “quando é evidente que há uma maioria de vimaranenses que não enjeitaria ver o automóvel dali para fora”. Pois é, além de fantasma, o escriba também é bruxo: tem uma bola de cristal com que mede, até à evidência, a opinião dos vimaranenses.

E mais não li. Já mais aliviado, dei às folhas do jornal o muito justo destino que lhes estava traçado. Serviram na perfeição, não obstante alguma aspereza.

E fui para a praça, com a mente aberta, no melhor estilo inglês, claro, dar milho às pombas. Afinal, elas também são Toural.

PS: Será que alguém (o Honoré de Balazar, que é tão dado aos mistérios, por exemplo) desvenda o segredo que se oculta por trás de tanta e tão súbita vontade de escavacar o Toural?

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

A Vida Não Está Fácil...

Estamos no Natal e, por isso, quase no fim de mais uma ano... 2007 foi perfeitamente idêntico a 2006 e, quer-me parecer, não será muito diferente de 2008... uma valente merda...
Permanecemos o país adiado de sempre, se convergimos é porque os outros crescem menos, se progredimos é porque os demais estão parados. Ninguém tem dinheiro e, apesar disso, gasta-se em média cerca de 1000€ por segundo nos últimos dias, segundo estatísticas televisionadas... Claro que se vão pagar, sabe-se lá a que custo, mais tarde...
É pena porque eu até nem desgosto de ser português. Às vezes tenho é a sensação, muito nítida, que, algures na distribuição das coisas, fui enganado.
Seguimos assim: patetas alegres que vivem o presente e nunca pensam no que há-de vir. Novos ricos, parolos, armados ao cagalhão.
Um país, cada vez mais de doutores que não sabem de nada. As novas oportunidades são uma fraude, o ensino é uma burla e qualificada. Contam os números e não os conteúdos. A ministra é uma saloia mal educada, no fundo, um representante típico do resto. Um país mal educado e mal criado!
Um poço de oportunidades perdidas, de estupidez, de reformas adiadas ou de fachada. Em que os fins justificam os meios, a cheirar a arranjinhos e incompetência e diplomas de treta. Um país que premeia a mediocridade e valoriza a esperteza e não a inteligência.
Caminhamos a passos largos para um abismo, temo, e, pior, vamos a cantar e rir, inconscientes.
Apesar de tudo, tenham um Feliz Natal... o pior são os outros 364 dias...

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Crestomatia Vimaranense - 3

Do baú de Licínio Longuinhos, tio-avô da minha mãe, resgato mais um texto, especialmente dedicado ao Guy Marais e ao Aldo Nim, na esperança de que lhes sirva de escarmenta. Eles que tomem tino com o que andam para aí a dizer e que se cuidem, tomando como exemplo o Burgo Podre que, apesar do muito que prometia, morreu ao segundo número.


UMA EXECUÇÃO NO TOURAL

Já fizemos testamento, Senhores!, de há muito, que a nossa alma livre de pecado anda encomendada a Deus.

Podem, pois, quando lhes aprouver, deliciar Guimarães com o espectáculo medieval da nossa execução no Toural, amarrados às grades como a pelourinho, no trajo vermelho de vilões ruins.

Chicoteiem-nos a valer, retalhem-nos as carnes a tangateadelas bem zurzidas, façam espirrar, da nossa pele quente do sol, sangue, muito sangue capaz de saciar toda a sede de vingança dos vossos rancores, sangue em abundância que regue as flores do Jardim, que murcharão porque temos na alma o veneno maldito. Venham todos, as classes mais nobres e a mais baixa ralé, ver o castigo duns malvados que ousaram, na Terra de Guimarães, dizer a verdade, apregoar a verdade, imprimir a verdade! Venham as medrosas, as donzelas castas e honestas, que amam os seus namorados e que adoram o seu gato, venham gritar aos ouvidos dos supliciados que são puras como as flores e lindas como os anjos; venham os burgueses sarcásticos, magros ou gordos, idiotas, dizer-nos que são honestos como a honestidade, bons como deuses e castos como o manda a Santa Madre Igreja; venham, línguas daninhas, homens da elegância e do café, reclamar para si a fidalguia do talento, a nobreza do espírito, a inteligência da galanteria...

Venham, venham! E puxem com alma os chicotes, azorraguem, malhem, cevem-se nas nossas carnes roxas e trituradas.

Eh! fartar vilanagem!...

Assim nos ameaçaram.

Em tom formal e aflautado, na Tabacaria Lemos, jurou um homem que chafarica em vários artigos e piadas:

Dou a minha palavra de honra que não se publica o n.° 2.° do «Burgo Podre»!...

E o n.° 2.° cá está para lhe berrar bem alto: – não tens palavra, pobre diabo, a tua honra vale tanto como os teus chinelos! –

E a este, seguir-se-ão novos números, havemos de continuar, doa o que doer, porque, tendo-nos abrigado pelo estudo à lei, queremos que se sanem as misérias e se desinfectem as podridões que são deste ou daquele, de António ou de Bento, de Paula ou de Gracinda, que são daqueles que as tiverem. Não apontamos nomes, não ferimos individualidades — a nossa obra é geral, construída sobre a realidade, na sujeição à natureza, na independência do pensamento. Marcámos a fogo o estigma do crime, e quem quiser que enterre a carapuça.

Acham desabrida a linguagem? Ouçam o talentoso ironista Fialho de Almeida: – “Na literatura, princesas, não há nem pode haver palavras sujas. O que há é assuntos sujos, assuntos pulhas, deletérios assuntos, que os escritores não inventam, e fazem parte do dia a dia da cidade, assuntos enfim de que a linguagem escrita é apenas o impreterível sinal gráfico. Consequentemente o pudor feminino tem apenas, como meio de impedir que os panfletários escrevam plebeísmos, o evitar que a sociedade seja menos torpe, e os seus maridos e irmãos menos canalhas.”

Não endireitamos o mundo? Somos loucos? Bem-fadada a nossa consciência, sereno o nosso sono – roncámos talvez menos que vós.

Ameaçam-nos? Querem bater-nos? Coragem. Vai a cacete? Seja!

Eduardo de Almeida e/ou Alfredo Pimenta

(copiado de O Burgo Podre, n.º 2, 1902, que, depois deste, nunca mais viu a luz do dia.)

Pedagogia no Ensino Secundário: Novos Horizontes

Só ontem me chegam ecos de uma participada conferência sobre o Toural na "futura presente está quase lá fundação" Martins Sarmento. Ecos esses informam-me que da janela deste café será visível um tunelinho, mínimo e provinciano, antónimo de uma certa ideia de grandeza que, como se sabe, apenas existiu em Guimarães há mil anos atrás. Pelos vistos, o dito tunelinho começa já dentro do Toural e acaba duzentos metros à frente. Três perguntas brutalmente lógicas impõem-se: a primeira é "se é desse tamanhinho, para que raio é que o vão fazer?; a segunda, variante da primeira, é assim: "dito de outro modo, porque ides vós estoirar balúrdios para algo tão micro?" A terceira, mais realpolitik é "porque não rebentais orçamentos e fazeis algo grandioso entre a Conde Margaride e Covas, ganhando facilmente as próximas eleições?". Porém, e antevendo o sepulcral silêncio a estas respostas, outras questões, mais gerais e pensativas, se levantam: haverá alguém em Santa Clara que, dotado de clarividência e visão de futuro qb, pense em fazer obra para mais de dez anos? Já não aprenderam com a circularinha, a estaçãozinha de comboios de Liliputarães, com o quase-tunel da Rodovia ou com o Centro Concelhio de Carcinoma Pulmonar que é a Estaçao de Camionetas a Céu Coberto? Leram aquela parte do livro de História que falava do Espírito Pombalino, daquilo que o Marquês terá dito quando rasgou a Avenida da Liberdade em Lisboa? Fontes Pereira de Melo diz-vos algo? Aparentemente, a resposta é negativa. Pelos vistos, o estigma da pequenez provinciana e despesista é rei e senhor: fazemos obra minúscula, daqui a cinco anos queixamo-nos que já não serve, daqui a dez voltamos a estoirar balúrdios para servir por mais cinco. E nós pronto, dançamos o vira, vamos às compras, é Natal e queixamo-nos ai! coitadinhas das árvores.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Uma Ideia Brilhante

Estava eu na casa de banho a defecar sossegadamente quando tive uma ideia brilhante. Este jogo de contrastes entre defecação e brilho pode parecer contraditório mas não é. Quando me formei em 1971 em Ciências do Bom Senso na Universidade Autónoma do México tive, como qualquer aluno, algumas dificuldades em certas e determinadas cadeiras: os chamados cadeirões. Chumbava sistematicamente e ia sempre para casa numa enorme aflição…O nervosismo dava-me a volta a barriga. Curiosamente reparei que era quando me encontrava em casa a aliviar o corpo da carga nefanda (que todos transportamos) que conseguia resolver os problemas que me tinham sido colocados no exame (do qual tinha desistido poucos minutos antes). Foi aí que passei a ir de fraldas para os exames.

Voltando àquilo que me levou a escrever este texto, devo dizer que enquanto defecava e lia um conhecido jornal local (cujo nome por pudor não vou referir) tive uma ideia para 2012. Porque não aceitar a vídeo vigilância em Guimarães e fazer um festival de curtas?

Vou-me explicar melhor: podíamos aproveitar a vídeo vigilância para atribuir alguns prémios aos frequentadores/acontecimentos do Centro Histórico. Os ditos prémios podiam dividir-se em diversas categorias tais como “o maior bêbedo”, “a maior bebedeira”, “ a discussão mais longa entre o presidente da câmara e o Zeca Paulo”, “ a discussão mais longa entre o Zeca Paulo e a polícia municipal”, “a missa mais concorrida da Oliveira”, “o maior número de pessoas que olharam para uma gárgula numa Igreja”, etc.

Podem pensar que eu estou a brincar mas não estou. É que estamos quase em 2012 e não é com velinhas na rua de Santo António que vamos lá.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Notícias e Árvores Podres

Aos que me acusam de dedicar um carinho especial ao jornal ainda conhecido por O Povo de Guimarães, eu tenho que confessar que estão com a verdade, mas não com a verdade toda: sou entusiasta de todos os órgãos da imprensa local, sem excepção, mas também de outros com vocação menos paroquial. Para exemplificar, direi que considero o JN um must e que aprecio, muito em especial, a inusitada criatividade que perpassa pelas notícias referentes à nossa querida terrinha. Cada notícia, por pequena que seja, é um monumento ao rigor e à objectividade. Se não perco uma, dou-vos duas (podendo dar-vos três, ou quatro, ou dezassete), a propósito do PUDAPECST*:

Logo à primeira, o JN atirou a intervenção projectada para o Toural para um patamar inesperadamente elevado, colocando-a no lápis de um arquitecto de projecção mundial, quando proclamou a Revolução no Largo do Toural com a assinatura de Siza. Consta que Álvaro Siza não sabia de nada.

Agora, revela que, num debate havido há dias na rua Paio Galvão, um dos autores do projecto (que não o Siza, que, incompreensivelmente, não apareceu) anunciou que o traçado previsto “preserva elementos da identidade do Toural (pequenos jardins, o chafariz)” e que as árvores do Toural "estão podres". O arquitecto, a estas horas, ainda não deve saber que disse aquilo.

*Processo Urbano de Discussão Arquitectónica e Paisagística Em Curso Sobre o Toural

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Calças de Ganga: com fecho éclair ou com botões? Um dilema dos Tempos Modernos

Uma das realidades fácticas que mais me deixa nauseabundo é a falta de indicações rodoviárias para Guimarães, vulgo placas, em diversas cidades do Norte de Portugal, sendo este - e para este efeito - compreendido entre Chaves e o Porto. Para outras localidades, há placas. Para Guimarães, não. Ora, se isto me é indiferente em Vagos, Aveiro, já me não é em Ponte de Lima, Viana, Barcelos, Gerês, Caminha e Valença. Pelo contrário: até me revolta um pouco não ter indicações que me ponham no bom caminho. Sinto-me, igualmente, deveras incomodado pelo facto deste assunto não merecer o destaque político necessário, caindo nas turvas águas do olvido. Talvez não interesse aos produtores de placas e à entidade tutelar das redes viárias: é que o preço da placa acaba por ser elevado (em comparação com os clássicos Braga, P. Lima, V. Castelo) dado o número de caracteres que tem Guimarães (nove mais til), acrescido daquele símbolozinho do património da humanidade, sempre complicado de se fazer. Como em Bartleby, exclamo Ah, Guimarães! Ah, Humanidade!

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Silogismo

Luciano não quis a auditoria às contas do Vitória. Foi bom para o Vitória, que fica com as contas auditadas. E sem Baltar.

Luciano quis uma nova sede para a ACIG. Foi péssimo para a ACIG, que ficou sem sede. Mas com Baltar.

Luciano quer videovigilância no Centro Histórico de Guimarães. É óptimo para os inimigos do big brother, que ficam sossegados. Apesar de Baltar.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Com Pseudónimos? Cruzes!

Há leituras que não se perdem. Direi mesmo: há leituras imperdíveis. Eu, por exemplo, não perco os jornais de Guimarães. Aprende-se muito com eles, até na publicidade mais anódina, que tem, não raras vezes, muito sumo à espera de ser espremido. Hoje, ao folhear a gazeta da rua de Gil Vicente, houve algo que me bateu forte, preenchendo o meu coração de alegria e contentamento. Uma nova coluna, encimada pela mão que acaricia o rato, com um título galvanizante e inspirador: Blogosfera em Guimarães. É o futuro a bater à porta, um pequeno passo para um jornal, um salto de gigante para a humanidade. Desci pela coluna abaixo. Ao chegar ao rodapé, encontrei uma prevenção: “Não serão publicados excertos de blogues não identificados, ou com pseudónimos”. Deu-se-me um nó na moleirinha. Então, ele agora há blogues não identificados? Blogues com pseudónimos? Os blogues têm nome de baptismo e inscrição no registo civil? Se não têm, deveriam ter, pensei com os meus botões; se os há anónimos ou com pseudónimos, então que sejam castigados exemplarmente, responderam, a uma só voz, os meus botões. Homessa!, quem se julgam esses tais blogues para ousarem usar pseudónimos? Um blogue com pseudónimo não é mais do que um pseudoblogue. Bem feita! Têm o castigo que merecem: pseudónimos, não entram naquele jornal, tão preclaro, transparente e imaculado nos seus princípios, que jamais se transformará num pseudojornal, como o atestam nomes como Pedro de Vimaranes, Carlos d’Além, João de Ponte, o sigiloso Polo X, o famigerado Artur Monteiro, o bom do Miguel de Montepuez, o nosso muito amado futuro líder e guia espiritual Olívio Chamado e tantos outros dos que têm passado por aquelas páginas.

Psst!, ò faxavor, alguém me indica onde fica o registo civil dos blogues?

O Dumping numa Sociedade Altamente Concorrencial

Mais do que um mero exercício de sátira e crítica social, as Danças Nicolinas assumem-se, ano após ano, como um género de humor próprio, distinto dos seus semelhantes. É, claramente, um género de humor vimaranense - como o há inglês- com laivos de incontida grandiosidade, tal como a cidade onde é feito, a roçar a brejeirice sem nunca lhe tocar "de boca cheia" como Herman, mais cínico que a cócózinha Revista à Lisboeta, às vezes cru e bruto como o granito, outras vezes leve e delicado como a vinha. Algo sempre quase no vértice do rebentamento, do descambanço. Pena, claro, que não haja mais focos de produção deste tipo de humor para que o epíteto dado na segunda frase deste texto, a negrito e em itálico, fizesse sentido plenamente.
Ontem, ao descer a Avenida, cortado pela leve névoa, sorria ainda com a mestria do que acabara de ver. Como em Bartleby, vociferava, imperceptivelmente entre dentes, Ah Guimarães! Ah Humanidade!

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Moisés-Mirim e a Entorse

Moisés (Moshe para os idumeus) era um hebreu barbudo, criado na corte dos faraós do Egipto, que, certo dia, se retirou para o Monte Sinai, para meditar. Aí, julgou-se insuflado por uma revelação, que lhe terá insinuado que deveria conduzir o seu povo à Terra Prometida. Juntou o rebanho dos hebreus ciosos de regressarem à Palestina, e lá foi, rumo a Canaã. Andou, andou, andou. Andou perdido pelo deserto durante quarenta anos. Morreu, já velhinho, sem chegar ao destino. Conta-se que, na hora da morte, terá dito: “perdoai-me, se vos fiz errar no deserto, mas a culpa foi da entorse”. O sentido destas palavras permaneceu um mistério que atravessou trinta e três séculos ou mais. Até hoje, dia em que Moisés, mais nanico do que o representou Michelangelo Buonarroti, mas redivivo na virescência das suas barbas proféticas, no seu cirandar vão pelo deserto, rumo à reitoria prometida, mas nunca alcançada, explicou que a entorse milenar tinha sido a criação do curso de Geografia no pólo de Azurém da Universidade do Minho. E, aprontando-se para o conduzir para a Canaã prometida, ergueu o dedo e apontou na direcção da terra inominável que fica a seguir à Morreira.

Esta é uma parábola onde se demonstra que os de Guimarães são gente tranquila, pacífica e tolerante, já que, até ao momento, não há nenhum indício de que Moisés se tenha retirado com uma entorse no pescoço.

Deus, Dante Alighieri e Eu

Uma das inexistências que mais me confunde na cidade de Guimarães, e que contribui para o adensar da dúvida se somos realmente uma pequena cidade com alma de vila ou uma grande vila com pulsar citadino é, como se afigura tão óbvio, a de restaurantes e lojas de conveniência de origens turca, israelita ou, quando muito, de qualquer ponto do próximo oriente, abertas até desoras matinais. A sua existência não tão só salvaguardaria os direitos de todos aqueles que apreciam comer, na sua cidade, um bom kebab a horas ou fora delas, bem como seria um bom tónico urbano para quem já está farto de ir a bouças e veigas comer a falsificada francesa. Incentivem-nas, oh, quem de direito. Venha o Serkan Yavuz Kebab do Alto da Bandeira.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O meu Pinheiro

Como de costume, mesmo andando vagamente expatriado, vim a Guimarães matar saudades. Vim ao Pinheiro. Comi rojões, entornei uma infusa daquele que borra a malga e ainda tive barriga para umas castanhas e um naco de toucinho (do Céu, que é sinónimo de Guimarães). Depois, subi a encosta a toque de caixa, malhando na zabumba com quantas forças tinha. Reparei que, este ano, a polícia também decidiu participar na festa. Pareceu-me bem. A polícia sempre ao lado do povo. Depois esperei uma eternidade para que o cortejo arrancasse. Acabei por perceber que, afinal, tinha chegado de véspera, porque o pinheiro dos tempos modernos é no dia 30. Quando aquilo, finalmente, arrancou, lá fui eu, escoltar o mastro, ao som dos tambores e do ranger dos carros de bois. Fui escoltando, fui escoltando, até que me fartei de escoltar. Já passava das três da matina e ainda íamos a descer os Palheiros. Concluí, pelo dorido nos joanetes, que já bastava de tanto escoltar e vim-me embora. Ao atravessar as gloriosas praças do nosso Centro Histórico, ia pensando que teria sido mais previdente se tivesse trazido esquis, para atravessar sem risco aquelas pistas de vomitado peganhento e malcheiroso. E foi então que tive uma iluminação. À camisa branca, ao lenço tabaqueiro, ao gorro e às baquetas, deveria ser acrescentado um novo adereço nicolino, de uso obrigatório: um saco de plástico para recolher o vomitório. Com jeito, ainda haveria quem se lembrasse de fazer arte com o produto assim recolhido e com ela financiar o Museu das Nicolinas.

PS: O Pinheiro deste ano foi uma verdadeira catástrofe, um desastre, um cataclismo com dimensão universal, a crer na notícia que diz que “no Hospital de Guimarães, deram entrada 26 pessoas em coma alcoólico”. 26? Em coma? A sério? É hoje que abrimos os noticiários!

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Crestomatia Vimaranense - 2

Se nenhum atrevido, dos que têm a mania de se atreverem, por falta de que fazer, ousará negar que todo o tempo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades, além de que atrás de tempos, tempos virão, existem evidências que nos levam a acreditar que ele há coisas que, mesmo mudando o tempo, nunca mudam e são sempre como de costume. Pelo menos em Guimarães, como já veremos, no Capítulo II da antologia da alma vimaranense:


O “Pinheiro”

A pedido de vários bicos e bicas publicamos a seguir o relato deste tocante e bombástico cortejo académico:

Hoje, ao romper do dia, a cidade acordará estremunhada pelo estampido formidável de uma girândola... de bichas de rabusco. (Só ouvirão o estrondo aqueles que estiverem na graça da “Ortiga”; isto é, todos os que tiverem cumprido com a sua obrigação, assinando o nosso jornal e pagando a sua assinatura adiantadamente, e sem refilar)…

Pouco a pouco ver-se-á algum povo pelas ruas, outro pelas ingreijas, outro em casa ainda a ferrar o galho, outro a comprar e a vender, na praça do mercado, etc., etc., etc. e tal…

Pela tardinha, alguns estudantes percorrerão as ruas do burgo, todos contentinhos e sem lhes caber uma fajeca, a bater em caixas e a bater em bombos, rijamente, numa grande reinação. E haverá Manéis e Manelas a olhar para aquilo tudo, espantados, com os olhos abertos como a Porta da Vila, como se nunca tiveram visto…

À noite, mais ou menos pelas horas do costume, virá, mais ou menos do sítio do costume, um pinheiro, do tamanho mais ou menos do costume, num carro que será puxado pelas juntas de bois mais ou menos do costume; e seguirá o itinerário do costume, até ao local do costume, onde será prantado ao alto, como de costume. (Quem não souber o que é do costume, é... como quem não vê: mas em chegando logo a noite já fica a saber tudo – se quiser –, nem que seja tapado como um calhau e mais burro do que um jumento). À frente do pinheiro irão, como do costume, algumas caixas e bombos (este ano espera-se que o número de tocadores cresça... a metade com outros tantos); e atrás levará a música, atacando a sinfonia do costume. Etc. etc, etc. Haverá bastantes senhoras pelas janelas dos prédios; e, pela rua fora, muita gente a andar com os pés, e vários basbaques parados a ver (isto, está claro, sem ofensa, e não desfazendo em quem está presente; nós também lá estaremos).

Depois da chegada do bicho, que virá como um cadáver morto estendido ao comprido, será servida aos lavradores uma ração de broa, figos (não confundir este termo), e não sabemos que mais. Os boizinhos mascarão em seco… a fresquinha, o taro, o basqueiro; e os donos engavetarão para o saco, como uns alarves. É esta uma função muito interessante: tão interessante, tão interessante, tão interessante, que até há criaturas que morrem de pasmo a presenciá-la.

Nesta noite também é costume aparecerem bastantes palermas, que agarram na maçaneta e se fazem passar por académicos: por isso recomendamos cuidado com as falsificações... Depois, às tantas da madrugada, terão lugar as clássicas vòvedeiras… (cada uma, de tremer céu, terra e mar)... E assim terminará a chegada triunfal do “pinheiro”.

[Dos recortes do meu tio Desidério Galhardo. Este texto saiu originalmente no jornal A Ortiga, n.º 2, ano 1, 29 de Novembro de 1925, mas que bem podia ser publicado no Notícias de Guimarães de amanhã, no Expresso do Ave do ano que passou, no Povo de Guimarães do ano que virá ou no Comércio de Guimarães de 1898.]

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Psiquismo e Bullying: Um Caso de Estudo

A propósito dos interessantes opúsculos sobre o Cavalo de Ferro escritos por Samuel Silva na sua Colina Sagrada, é caso para concluir, despretensiosamente, o seguinte: por via de regra, progresso significa avanço; a nível comunicacional, em grande parte dos casos, avanço significa rapidez. Em 1994, a viagem Guimarães-Porto, de 52 km, demorava 1h45. Em 2003, com a reabertura da linha, a mesmíssima viagem passou a demorar 1h11. Um progressinho, portanto, considerando a) uma linha nova, b) comboios novos e c) praticamente a mesma velocidade dos comboios velhos na linha velha. Em 2007, a ainda mesma viagem demora 1h21. Passaram-se quatro anos e o tempo de viagem, ao contrário de todos os sítios na Europa dita civilizada, adeias subsaharianas, Togo, América do Sul e Ásia Central Subdesenvolvida, aumentou. Leram bem: a-u-m-e-n-t-o-u. Sim, século XXI, revolução tecnológica, etc e tal e o raio da viagem consegiu a nóvel proeza de demorar ainda mais tempo, parando em lugares insignificantes (desculpem, pereirinhenses) e, por isso, andando meridianamente mais devagar. Clap, clap, clap. Ou seja, se o progresso significa avanço nem sempre o avanço temporal significa progresso. Isto porque o agrupamento de encandescidos que faz os horários das linhas e decide onde páram os comboios não foi aclarado o suficiente para perceber, na sua ignorância repugnante, que centenas de pessoas que diariamente fazem Porto-Guimarães (e vice versa) de carro, escolheriam o comboio, o cavalo de ferro, o tchutchu se os estultos do monopólio da CP, tivessem tido o cariz visionário, merecedor de progressão (avanço) na carreira de criarem dois comboios diários, rápidos em cada sentido, às horas de ponta. Já viram: não digo que todos fossem rápidos, mas apenas dois (vezes dois vezes dois, em trinta) - eis o meu respeito pelos apeadeiros. Mas não, tudo bem, quem pode nada diz ou faz, a gente continua a ir de carro, já se pensa em fazer um raio de um metro, os estultos a progredirem na carreira e a estaçãozinha, solitária, sobranceira ao alto da Avenida, a dançar o vira, à espera que em Dois Zero Doze a viagem atinja as duas horas. Sinal de progresso, na óptica deles.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

METRO

Muito ou nada se tem falado sobre possibilidade de fazer um metro em Guimarães. Exemplo disso foi o projecto Veiga/Silvares/Creixomil em que se falou muito ou nada do dito metro.

A minha dúvida reside em saber. Sempre residiu. Neste caso reside em Silvares/Veiga e em saber que tipo de metro querem estes tipos para Guimarães. Algumas hipóteses têm sido faladas sem que nada de concreto se saiba. Vamos a elas:

Hipótese 1 - Somos estúpidos e temos dinheiro: vamos fazer um mini metro para que os nossos cidadãos brinquem no futuro parque da Veiga. Tchutchu, tchutchu! Mais uma moedinha, mais uma volta ao laguinho! Tipo comboio turístico da Penha mas com menos velhotas e mais desportistas.

Hipótese 2- Somos espertos mas não temos muito dinheiro: vamos fazer um metro que ligue, numa primeira fase, Guimarães a Pevidem (e a algumas áreas adjacentes) e depois, conforme as nossas possibilidades, vamos alargando a linha.

Hipótese 3- Não sabemos o que somos: vamos fazer um metro que circunde Guimarães e que depois vá por aí abaixo até à Veiga e que depois pare ali, junto ou parque, ou junto a Pevidem.

Não sei qual destas hipóteses será a mais viável para a nossa bonita urbe. Para já, em Guimarães, o metro continua a ser o que sempre foi: uma unidade fundamental de comprimento.

sábado, 24 de novembro de 2007

Temos Homem!

Ainda na taberna cibernética do Fernandes, longe de casa, acabo de ler um e-mail que provocou em mim um forte abalo, que abeirou a convulsão espasmódica. Quem me escreve, diz-me que ficou sentido com algo que eu teria escrito a seu respeito. A verdade é que eu nada disse sobre a sua pessoa, nem poderia ter dito: até há momentos nem sequer sabia da sua existência. Só há pouco, depois de ter lido a caixa de comentários ao meu último escrito aqui vertido, é que, pela primeira vez, me deparei com o seu nome. O impressionante currículo que me enviou produziu em mim efeito semelhante à visão da igreja dos Santos Passos iluminada: a revelação da transcendência em toda a sua pureza e grandiosidade. Desatei a tremer, com as mãos geladas e uma zoeira nos ouvidos, entrei em tempestade cerebral. Fiquei com uma garfada de pipis ao molho de piri-piri entalada no gasganete, embrulhou-se-me o estômago, escorri suores frios, desfaleci, tardei uma eternidade a recobrar o fôlego. Vim a mim com o Fernandes a dar-me palmadas nas costas, a desapertar-me o colarinho e a despejar-me o jarro de vinho pelas goelas abaixo. Confesso que nunca vi nada assim e que o que vi ultrapassa tudo quanto poderia imaginar. Senti-me em presença de um ser único e inigualável. Estou certo de que, desde Afonso Henriques, nunca houve ninguém com tal dimensão em terras de Guimarães. Esmagado por tanta erudição, eloquência, cosmopolistismo e mundividência, não tenho dúvidas de que este homem merece um trono, um altar, um banco privativo no jardim do Toural e, até mesmo, um lugar cativo nas retretes da rua de Camões. Eis aqui um sábio, talvez mesmo um erudito, que carrega consigo uma impressionante ilustração, um imenso know-how e, ouso dizê-lo, algum savoir faire. Este homem é um portento, um estratega, um predestinado e um visionário.

Meus senhores e minhas senhoras, escusam de procurar mais. Chamem por ele, enquanto é tempo.

Chamem Olívio Chamado.

Só ele pode ser o Comissário da Capital Europeia da Cultura em 2012.


Crestomatia Vimaranense – 1

Mais valia nunca do que tarde, mas encontrei, finalmente, a minha vocação. Despedi-me do mundo e tornei-me num hikikomori, embora já um pouco passado da idade. De hoje em diante, ficarei confinado ao meu reduto doméstico, de onde não sairei a não ser arrastado pelo bigode, pelo menos até que o Verão volte. Para me distrair, nos momentos em que fazer nada não me baste, irei transcrevendo para aqui uma colectânea de textos sobre a alma vimaranense reunida por um tio-avô da senhora minha mãe, que recebeu os papéis em herança e que, vá-se lá perceber porquê, conseguiu resistir à tentação de lhes chegar o fogo que lhe incendiava os olhos sempre que se perguntava por que razão recebeu ela aquilo, enquanto que a prima Adosinda de Arões ficava com as cédulas do Banco Lisboa & Açores.

Aí vai o primeiro fascículo dos anais do pensamento vimaranense:


MORALIDADE AOS DOMICÍLIOS

Desde que pelo nosso direito constitucional se incumbiu a El-Rei a cerimónia abaritonada da abertura do parlamento por um discurso programa e desde que o jornalismo firmou como praxe sagrada a explanação retórica e sempre honesta do seu fim no número inaugural, o menu pertenceu de vez, como integrante, aos costumes nacionais.

Qualquer manifestação cerimoniosa da vida pública que se não inicie, em primeira solenidade, pelo cozinheiro, que declame quais os pratos de convicção, desassombro e independência que se vão servir, é uma manifestação desprezível e tacanha, quando não atentatória dos direitos deste povo.

Embora queiramos respeitar, em vassalagem, de cócoras, esse princípio da soberania popular, somos obrigados a confessar que, ao contrário de vós, Meus Senhores!, nos deixámos guiar cegamente pela nossa vontade — uma vez que reconhecemos a luta inaproveitosa de todas as doutrinas que contrariam o determinismo e estamos certos de que a irresponsabilidade criminal é o futuro da investigação jurídica.

Somos, pois, irresponsáveis.

Sabemos apenas, e é muito pouco, que nos determina um ódio insaciável à sociedade vimaranense que, a partir do seu símbolo até o mais fútil dos seus actos quotidianos. É a mais detestável, a mais hipócrita, a mais ignorante das sociedades provincianas.

Juramos-lhe um ódio de morte quando nos escorraçou do seu seio por termos a audácia da verdade, quando nos insultou por apresentarmos o nosso amor na praça pública, quando se nauseou do nosso monóculo, da nossa cabeleira, e, sobretudo, quando pensou que nós fazíamos na rua o que certa classe de homens fazem no teatro – representávamos a vida.

Mas, porque alguma coisa de útil deve ter o sangue da nossa mocidade, porque desprezamos sempre a opinião das vizinhas e a crítica desses jornalistas que tantas vezes temos topado nas mais asquerosa tavernas, nós vamos hoje fotografar, bem ou mal, os meios não importam, a podridão do burgo, o lixo desta terra, apontar-vos, Meus Senhores!, o conjunto de factos que vos fazem bandalhos.

Havemos de conseguir alguma coisa – porque a circunstância que vos impele o maior número de imbecilidades e de actos nojentos é a certeza, em que vivíeis, de que essas imbecilidades e essas coisas nojentas seriam desconhecidas.

Doravante os fracos, que vós roubais, e as mulheres, que prostituis, terão em nós uma defesa certa, um advogado gratuito – e por isso mesmo ignorado.

Aqui não há anonimato – nós saldaremos todas as contas, pagaremos todas as afrontas pelo único meio que conhecemos e que respeitámos – pela imprensa, pela escrita.

É certo que a vossa perspicácia descobriu como que uma contradição entre os nossos sentimentos de ódio e de defesa.

É que nós, no ódio de morte à sociedade, compreendemos também que Guimarães era o berço e o túmulo da nossa vida, o meio em que o fado nos levaria, um dia, para construirmos um lar; que em Guimarães vive talvez a nossa noiva e vive a nossa amante, e, sendo assim, nós carecemos de batalhar por elas com o mesmo entusiasmo com que, pelo trabalho, arrancámos à natureza o pão de cada dia.

E o meio mais razoável de castigar será, sem dúvida, como o disse Camilo e como numa folha volante, que vos magoou, escreveu um belo rapaz de um belo talento – «esta caneta de dez réis» – introduzindo-vos a moralidade em casa, levando-a lá como o carvoeiro vos leva o carvão e a lavadeira a vossa roupa limpa de manchas.

Eduardo de Almeida e/ou Alfredo Pimenta

(copiado de O Burgo Podre, n.º 1, 1902)


quinta-feira, 22 de novembro de 2007

O problema de Caramuel

Encontrei hoje, quando mergulhei no pó*, forçando desencadear a activação excessiva das células mastócitas e basófilas, na esperança de provocar um choque alérgico que me colocaria numa muito conveniente quarentena, que calharia bem, com o tempo que faz lá fora, quando, no meio do Almanach Bertrand de 1901, marcando as páginas de um poema em forma de charada, sob o título de Os Problemas de Caramuel (um figurão do século XVII, “altamente versado em matemáticas, e tão predilectos lhe foram sempre estes estudos, que as próprias questões teológicas era pelas matemáticas que intentava demonstrá-las e resolvê-las”), encontrei um papel que, além de manuscrito, é intrigante. Li:

Sobre Guimarães. Apontamento que copiei d’O Burgo Podre, 1.º número, deste mês de Dezembro de 1902:

«Essa é boa. Dezembro é Inverno. Em Guimarães não há cafés. Em Guimarães não há clubs. Em Guimarães não se toma chá. O jardim fecha cedo e se estivesse aberto era tolice – em Dezembro não se passeia no jardim. Guimarães vai para S. Domingos passar a noite, cavaquear, namorar, cear, arrotar o quilo e ver o magnífico espectáculo das criancinhas cheias de pulgas.»

Ao ler isto tive uma revelação: alcancei que Guimarães é um enigma cuja compreensão só estará ao alcance dos iniciados nas artes das matemáticas, da numerologia ou da ciência cabala. Onde anda o Caramuel que o irá decifrar?


* Pó dos livros, não esse que a vossa cabecinha viciosa e depravada ousou cogitar.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

A Política Económica Finlandesa: Um Paradigma a Seguir Pelas Sociedades Democráticas

Ao olhar para o projecto Touraliano, um velho canalha meu amigo louvou a retirada de árvores da Grande Praça, motivando a ira de seus condiscípulos que, tradicionalmente passo a passo, calcorreavam a distância entre Lisboa e Santarém em menos de um minuto. Eu, erudito de trazer por casa, citador de cordel de palavras difíceis, olhei-o nos olhos, inspirei o ar frio da noite e, fazendo minha a descoberta lexical de outro canalha, apodei-o, iradamente, de dendroclasta de uma figa.

domingo, 18 de novembro de 2007

Ele Também É Estado

Por motivos que apenas interessam à minha pessoa e ao discreto senhor de fraque e cartola que não me sai da porta, tive que me ausentar para parte incerta, a modos que repentinamente e por tempo indeterminado, o que me obrigou a abandonar algumas das pequenas extravagâncias com que preencho o meu viver rotineiro. Uma das actividades que mais me custou abandonar foi o hábito, direi mesmo que quase vício, de folhear os jornais da terra, com a mão esquerda, com o nobre propósito de me cultivar, enquanto que, com a mão direita, vou esvaziando o pires dos tremoços.

Confesso que, em tempos recentes, certa folha que desabrolha para o mundo a partir da rua de Gil Vicente me desperta um fascínio muito particular. Há nela um estranho magnetismo que me atrai. Aquilo parece rendido às artes do ocultismo e da criptologia, que se materializam em textos cuja decifração somente é permitida aos iniciados, o que, infelizmente, não está ao meu alcance, pois já passei da idade de alinhar pelos seniores. Há muito que deixei de ler as linhas daquela gazeta: agora, o meu exercício semanal concentra-se na leitura e interpretação das entrelinhas. Lamentavelmente, a maior parte das vezes não percebo nada, mesmo quando estou de avental, no exercício dos meus insuperáveis talentos de criador de pataniscas.

Ontem descobri, aqui perto do meu refúgio, um cibertasco. Pedi um fino, que aqui tem outro nome, e um pires de tremoços (não tinham, mas tinham vinho aos jarros e moelas aos pratinhos). Sentei-me em frente ao computador, lambendo os dedos da mão direita para não engordurar o teclado, e, entre uma moela e outra, fui à procura dos jornais da terra. Eis senão quando – obrigado, santo deus da modernidade! – descubro que também existe uma versão internética do mais anacrónico dos nossos jornais, escondidinha por trás de um endereço inusitado. Confirmo, com infinita alegria, que, mesmo na Internet, continua, igual a si próprio, anacrónico.

Antes de um piscar de olhos, chego à minha secção preferida: Opinião. Começo a salivar e logo me esqueço de lamber os dedos. Que se lixe o teclado!

Procuro enigmas que sei que nunca decifrarei e que, por isso, me atraem e maravilham. Encontro um editorial programático, não assinado, onde, entre ?! e mais ?!, com um par de ? pelo meio, se fala do prazer do tacto, de derivas deontológicas, de ética comunicacional, da preocupação de não misturar relações comerciais, ou outras, com conteúdos redactoriais. Não gostei nada. Mesmo nada. Querem ver que me vão estragar o jornal?, perguntei eu para os meus botões, enquanto mordia uma moela, desfrutando da sensação única, quase lúbrica, abeirando a lascívia, provocada pelo molho gorduroso a escorrer pelo queixo, depois de escapar dos beiços.

Um pouco mais abaixo, descobri que, afinal, não havia motivo para cuidados. Estava lá quase tudo, certamente sem derivas deontológicas, nem falta de ética comunicacional e sem misturas não aconselháveis (ok, têm razão, ficou em falta o prazer do tacto - estavam à espera de quê?). Inacreditável era o título da coisa (agora que já a li, posso garantir-vos que dificilmente encontrareis um nome que se ajuste com tanta perfeição à coisa nomeada). Também não estava assinado e também lá estavam os ?!, acompanhados por !! e, até mesmo, um sonoro ?!!

A obra pede meças aos melhores enigmas charadísticos dos bons velhos tempos em que os jornais ainda eram jornais e não se deixavam confundir com pés de hortaliça. O seu autor não diz quem seja, mas desde logo nos põe de prevenção de que não fica atrás de Luís XIV (L’état c’est moi!), todas as vezes (muitas) que proclama, grandiloquente e pomposo, até à exaustão,

Eu, que também sou Estado

Fala de uma misteriosa empresa (tentei descobrir qual será, mas nada encontrei: nada na secção de Actualidades, nada nas Últimas, nada nas Breves) em processo de insolvência, cuja viabilização não terá tido o acordo do Estado (recusando, estarão doudos?, a possibildiade de arrecadar 500.000 euros), nem dos trabalhadores (esses madraços, que não querem trabalhar, nem sequer merecem o nome, quanto mais salários!), dando de barato as suas responsabilidades, porque se as empresas se tornam insolventes, não é senão por culpa do Estado e dos seus trabalhadores e fornecedores que têm a ousadia de exigirem às administrações das empresas, inquestionavelmente competentes e cumpridoras, que lhes paguem aquilo que acham que lhes é devido. Assim, não há boa gestão que sobreviva! Eu, que não sou Estado, nem tenho a ver com tal empresa, que nem adivinho qual seja, não consigo ter opinião sobre este assunto, ao contrário daquele que também é Estado, que se afirma favorável à recuperação da empresa.

Porque também é Estado, não serei eu a negar-lhe o direito de se bater pelos seus interesses, enquanto parte interessada no assunto (mas estou em crer que até o fará de um modo absolutamente desinteressado, altruísta e filantrópico).

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[O romeiro de Garrett, à pergunta “Romeiro, romeiro, quem és tu?”, respondeu: “Ninguém!”. Veio depois a saber-se que, afinal, era o dono da casa.]

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Não consigo conter-me. Não há nada como os pequenos prazeres que nos alegram e iluminam os nossos dias. Grande jornal!

Sr. Fernandes, venha daí mais vinho e outro pratinho de moelas com picante!

sábado, 17 de novembro de 2007

Vá de Metro, Satanás - O Inquérito

O Café Toural, correspondendo ao apelo da Câmara Municipal de Guimarães e assumindo uma prática de cidadania consciente e participativa, vai ouvir os seus clientes, fregueses, ocasionais e desafectos para colher contributos para um projecto emblemático que veio embrulhado na proposta para um Parque de Lazer da Cidade Desportiva, vulgo Veiga de Creixomil, e que se integrará na (r)evolução urbanística que se advinha*. Referimo-nos, evidentemente, ao projecto de mini-metro incluído no conjunto de iniciativas para a regeneração nas mobilidades (cf. Parque de Lazer da Cidade Desportiva, Câmara Municipal de Guimarães, Guimarães, 2007, pág. 3).

* Ainda não conseguimos, mas continuaremos a trabalhar sem descanso até conseguirmos adivinhar o que será que se advinha.


Procuram-se respostas para esta pergunta:


Que metro queremos para Guimarães?



Hipótese A – Um metro a valer:



Hipótese B – Um mini-metro a valer:



Hipótese C O mini-metro da Câmara.



Hipótese D - Um mini-metro "faça-o você mesmo":


As respostas a este inquérito podem ser deixadas na caixa de comentários ou dirigidas para a caixa de correio do Café.


A melhor resposta será contemplada com um utilíssimo passe vitalício para a linha de mini-metro de Guimarães (cortesia da loja de ferragens Ferreira da Cunha, onde se podem encontrar os melhores metros da cidade).

domingo, 11 de novembro de 2007

Deslouvor e Apologia das Torres

Duas torres? Para que precisa Guimarães de torres, e logo duas? Não nos bastam já as do Castelo e a do Hotel Fundador? Deu-lhes agora para as grandezas? Além de Capital Europeia da Cultura, Guimarães também se vai candidatar a capital mundial do novo-riquismo? Não têm mais que fazer ao nosso dinheiro?

Perguntas como estas andam no ar, desde o dia para sempre inesquecível em que se anunciaram os 5 projectos para Guimarães. Muitas objecções ouvi eu às duas torres à beira parque de lazer da Veiga de Creixomil. Dei-lhes razão. Definitivamente, acho mal: Guimarães não precisa de duas torres plantadas entre as vacas, os milheirais e as águas que escorrem serenas, límpidas e sussurantes, do rio de Couros. Fazem-nos tanta falta como um parque de estacionamento subterrâneo no Toural.

Porém, como sou curioso e faço gosto em fundamentar as minhas opiniões, fui ler a proposta, onde fiquei a saber que o que se propõe é a edificação de duas torres balizadoras do grande acontecimento urbanístico (…) que se constituem como símbolo das novas centralidades e do momento histórico. Não estou seguro de ter percebido, mas acho bem. Aquilo só pode ter saído da mente iluminada e irisdicente de um visionário futurista e, porventura, pós-moderno. A Guimarães fazem falta grandes acontecimentos urbanísticos (para pequeno, já nos basta o Centro Histórico), onde floresçam símbolos de novas centralidades e do momento histórico. É Guimarães, de next big thing, que o rato do Jean-Paul Voreira anunciou.

Todavia, quando passei à parte das figurinhas do projecto, vi isto:

Veiga de Creixomil, com as Torres Balizadoras
(Para ampliar, toque no chão)

Confesso a minha desilusão, perante pequenez tamanha. Afinal, são duas mini-torres, à imagem do mini-metro e do mini-oceano que nos andam a prometer como coisas grandiosas (há quem diga que megalómanas, mas eu não chego a tanto). Acho mal. Se vamos ter torres, que sejam o espelho da nossa grandeza e que façam roer de inveja toda a Europa. A uma capital europeia, como Guimarães vai ser, não tarda nada, fica bem um par de torres, desde que sejam torres e que não nos envergonhem ao lado da Taipei 101, das Petronas Towers ou da Jim Mao Tower. Torres que façam esquecer as malogradas Twin Towers do WTC e que olhem lá do alto para o Triumph-Palace moscovita. Se vamos ter torres, que sejam à imagem dos nossos pergaminhos, da nossa história, da nossa grandiosidade e da nossa, com o perdão da palavra, virilidade. Guimarães merece ter as mães de todas as torres, que, enquanto tais, também podem servir para perpetuar o nome da primeira construtora de torres desta nossa terra centenária e, até mesmo, ouso dizê-lo, milenar.

Senhoras e Senhores de Santa Clara, o que Guimarães precisa é que deixem de pensar pequenino, que sejam ousados e que tratem de construir as Mumadonas Towers. Ei-las:

Veiga de Creixomil, com as Mumadonas Towers
(
Para ampliar, toque no céu)

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A Nossa Querida TV

Já não era sem tempo. Depois da saudosa TV Covas (nome popular da muito mais erudita “Televisão Regional de Guimarães”), Guimarães deixou de flanar nas ondas hertzianas que compõem o espectro televisivo nacional. Até que, muitos anos depois dos memoráveis tempos das TVs piratas, apareceu a GMRtv, que só não foi grande notícia porque a coisa noticiada seria pequena: um diminutivo de televisão que se apresenta num rectângulo de cinco polegadas e meia, num computador perto de si. Mas, agora, a coisa vai crescer. A GMRtv vai poder deixar de ser vista apenas em formato minorca, tornando-se numa verdadeira televisão ou, até mesmo, num plasma com mais de 100 polegadas. A partir de Dezembro, a GMRtv vai transformar-se na companhia diária dos vimaranenses, através do serviço de cabo da TVTEL. Para não perder pitada, já ando à procura de casa no Porto ou em Oeiras.

Via: Colina Sagrada