domingo, 30 de dezembro de 2007

O Segredo do Subterrâneo do Toural ou A Cobiça - VI

[… continuado de aqui]

Onde, finalmente, se desvenda "o segredo que se oculta por trás de tanta e tão súbita vontade de escavacar o Toural".


α, que perseguia, no ranço dos papéis velhos, o rasto das invasões francesas em terras de Guimarães, não teve dificuldade em perceber de que tratava o escrito do Mestre-Escola.

Em Outubro de 1807, o D. Prior da Colegiada recebeu uma carta do príncipe regente em que mandava pesar e inventariar as pratas da Colegiada, para que fossem recolhidas nos mosteiros de Santa Cruz de Coimbra, Tomar ou Palmela. Esta ordem seria anulada por carta régia de 19 de Dezembro. Mas as pratas continuavam em risco, pelo que o Cabido decidiu esconder as mais valiosas, até que passasse a ameaça francesa. Foram introduzidas em quatro arcas de madeira, que se confiaram ao mestre-escola e a dois dos cónegos para que as colocassem em salvamento. Mas ninguém voltaria a pôr a vista em cima daquele tesouro: todos os que conheciam o seu esconderijo morreram antes que fosse resgatado, numa sucessão de trágicas coincidências, como se tivessem sido atingidos por uma maldição sinistra. Esta história é conhecida dos que, como α, conhecem a história da Colegiada de Guimarães.

Ao ler o que encontrou, α ficou dividido, entre a glória do descobridor e os acenos da cobiça. Como, dos humanos sentimentos, triunfam, em geral, os mais baixos, α tratou de esconder o papel e de congeminar o meio para chegar à prata.

No campo maior de correr toiros trinta e dous paços para lá da fonte na direitura do velho das barbas maiores hua grande lagem cimquo palmos por baixo da qual coatro caixoens com grande aver furtado aos gallicos aos vimte e hu de 10bro de oito cemtos & sete.

A mensagem era, afinal, clara como a água:

No Toural, a 32 passos do chafariz, na direcção para onde aponta uma das bicas onde está a cara de um homem com barbas grandes, debaixo de uma laje, a cinco palmos de profundidade, estão quatro caixões com um tesouro escondido dos franceses em 21 de Dezembro de 1807.

Com método e rigor cirúrgicos, α congeminou um plano quase diabólico. À primeira vista, havia duas dificuldades aparentemente insuperáveis: a primeira, era descobrir como desenterrar um tesouro escondido em plena praça pública sem atrair atenções indesejáveis; a segunda, porque o chafariz foi retirado do Toural há bem mais de um século, não era possível determinar em que direcção é que apontava o “velho das barbas maiores”: sendo o chafariz de configuração circular, a bica do velho poderia estar voltado para qualquer direcção. Só viu uma solução, que jamais poderia concretizar sozinho, pelo que tratou de a arranjar aliados: um arqueólogo, um empreiteiro e alguém capaz de mexer os cordelinhos nos corredores de Santa Clara.

Foi assim que nasceu o grande projecto: escavar todo o Toural.

Depois, foi só pôr a engrenagem em andamento, começando por convencer quem devia ser convencido das inesgotáveis virtudes e da infinita necessidade da construção de um aparcamento e de um túnel subterrâneos. Depois de aprovado o projecto, o arqueólogo apresentará uma proposta imbatível para os imprescindíveis trabalhos de prospecção arqueológica, que se propõe realizar sem nada receber em troca, pelo seu muito amor à ciência, e o empreiteiro aparecerá, a seu tempo, com um preço à prova de concorrência para os trabalhos de escavação e remoção de inertes. O golpe do século já está em marcha em Guimarães.

Moral desta história:

“A ambição é, entre todas as paixões humanas, a mais ferina nas suas aspirações e a mais desenfreada nas suas cobiças e, todavia, a mais astuta no intento e a mais ardilosa nos planos.” (Bossuet)

FIM ?

9 comentários:

  1. É isso, sem dúvida, embora haja por aqui quem avance com outras possíveis explicações para tamanho mistério.

    ResponderExcluir
  2. Rato de biblioteca? SMS? mmm... estou a ficar desconfiado. Ele há gente mais maquiavélica do que eu imaginava...

    ResponderExcluir
  3. muito bom o texto honoré, muito bom mesmo,. narrativa histórica digna de alexandre herculano. é um prazer tomar café com vocês.

    ResponderExcluir
  4. São os seus olhos, meu caro Jatoz, que são excessivos na generosidade. O que aqui leu não são mais do que uns gatafunhos deslavados que apenas pretendem contar uma história que, não fosse ela verdadeira, até podia ser inventada.

    ResponderExcluir
  5. É o meu primeiro comentário neste maravilhoso blog. Há algum tempo que o leio, mas ainda não me tinha pronunciado sobre a sua exímia qualidade.

    Esta trama da escavação do Toural está finamente divinal. Quer seja verdade ou não, e não me custa muito crer que seja verdade, temos desde já um argumento digno de um Manoel de Oliveira.

    Os meus parabéns.

    by the way, faz me recordar a misteriosa torre dos cães... sabe-se lá porquê... blog que sempre adorei, mas que hoje em dia com a moda de assassinar blogs também não escapou ao holocausto bloguista.

    ResponderExcluir
  6. Entrei há pouco nestre mundo dos blogs, mas já tive oprtunidade de ler alguns. Os meus parabéns ao Honoré de Balazar, por mais um pedaço de bom escrito. Apenas gostava de acrescentar um elemento à trama...que não sabe porque lhe seria impossivel saber!

    A verdade é que o meu avô encontrou o tesouro... Passo a explicar: o meu avô materno Carlos Oliveira era o feliz proprietário do Café Milenário (antes dele se tornar naquela coisa degradante que voçês conhecem) Ora como ele faleceu em 75, depois do 25 de Abril, e devido à confusão e desrespeito instaurados pelos funcionários à entidade patronal, resolveu o meu avô renovar o seu café e ajusta-lo aos novos tempos!
    Sozinho... num fim de tarde sonolento... desceu ao andar de baixo do café, onde se encontrava a zona de restaurante e começou a tirar medidas das paredes (na altura não se chamava logo o Sr. Arquitecto ou Arqueólogo). Qual não é o seu espanto quando atrás da zona do bar... mesmo voltado para o toural descobre que a parede era oca (apenas umas tábuas pintadas e completamente camufladas)! Isso mesmo meus amigos... curioso como só ele e os descendentes dele o eram... entrou ali mesmo pelo túnel encontrado, que ia dar ao local mais fantástico que voçês possam imaginar. Mesmo em baixo da zona de matança do boi da feira que ali se fazia na altura! Três grandes caixões pretos repletos de ouro e um mundo de documentação secreta sobre Guimarães que explica por exemplo o porquê da cobardia do nosso Presidente da Câmara, que não defende o seu proprio sonho (Gabinete Técnico Local) mesmo quando esse sonho tinha provas dadas de realidade... Sim... meus amigos, isto tudo remonta ao Passado!
    Pouco depois o meu avô faleceu sem ter desvendado o segredo a ninguém a não ser a mim... através de um pergaminho (na verdade era uma folha A4) endereçado ao 6º neto varão (ele sabia que a familia era muito fecunda)!
    Se quiserem saber mais um pouco sobre esta saga familiar que vem passando de pai para filho (no meu caso de mãe para filho, porque o avô era materno) deixem por ai um comentário...

    Se não acreditam nesta história... porque não se informam quem era o dono do Milenário antes de 75? Se mesmo assim não acreditam... confiram... na Quinta da Cerca Velha... em Urgeses (onde morou) existe uma rua com o seu nome... Carlos de Oliveira!
    Mas estou já a adiantar-me muito...

    Caro Honoré de Balazar, se tiver a bondade de publicar o meu texto no seu blog agradecia... é que a verdade precisa de ser reposta!!
    Quanto ao tal malfadado moço das escavações, esteja descansado... o tesouro e os documentos estão seguramente guardados em meu poder. Num próximo post, se lhe aprover, explicarei a importância dos documentos encontrados.
    Um abraço e continuação de excelente blog!
    Agradeço resposta mesmo que negativa...

    ResponderExcluir
  7. Exmo Senhor Pedro de Azevedo,

    Li com atenção o que aqui deixou, começando por notar a que V. Exa. é dotado de uma imaginação fértil e de uma assinalável criatividade ortográfica.

    Porém, lamento informá-lo de que, entre a história que nos conta e a realidade, qualquer coincidência é isso mesmo, uma coincidência. O seu avô até pode ter sido o Sr. Carlos Oliveira, figura que nunca conheci, mas não era o tal da rua de Urgezes. Esse chamava-se Carlos de Oliveira, e aqui o de, apesar de singelo e algo vulgar, faz toda a diferença. Para aplacar qualquer dúvida, aconselho-o a mergulhar em O Aprendiz de Feiticeiro, desde que não seja em dia de chuva, não vá dar de caras com a abelha (o que para si seria, certamente, um problema menor, já que tem duas).

    Quanto ao que terá encontrado, lamento informá-lo de que deve ser ouro de tolo, porque não tem nada a ver com o tesouro enterrado há duzentos anos no Toural.As caixas não eram três, mas quatro, e, dentro delas não há ouro, mas alfaias de igreja em prata. Quanto à tal documentação secreta de que fala, não fazia parte do pacote.

    Portanto, presumo que V. Exa deve estar a fazer confusão ou engoliu, com uma farta ração de credulidade, uma patranha sem pés nem cabeça.

    Ou então, o Sr. Carlos Oliveira, o Milenário e o Toural de que fala são em qualquer outro sítio, que não em Guimarães. Esta ideia surge-me quando leio no seu escrito que o tesouro estava escondido "mesmo em baixo da zona de matança do boi da feira que ali se fazia na altura". Qual boi? qual feira? qual carapuça? Em 1975 não havia feira de bois no Toural. Nem em 1975 nem em outro tempo qualquer.

    Esse seu avô não será das bandas de Bragança?

    Quanto ao mais, mande novas.

    Saudações cordiais

    Honoré de Balazar

    ResponderExcluir
  8. LOOOL
    Caro Honoré,

    De facto Carlos de Oliveira, como tão bem corrigiu foi mesmo o meu avô, pai da minha mãe Manuela de Oliveira, e todos os dados biográficos que escrevi são correctos. A Rua de Urgezes de facto existe e a casa no cimo dessa mesma rua é da esposa do tal Carlos de Oliveira, a minha avó...lol. Ele de facto era o proprietário do Café Milenário até à data assinalada (fácil voçê confirmar isso!)

    Se eram quatro ou três caixas... não sei... talvez uma já tivesse sido descoberta ou o meu avô não a tivesse referido!! :D

    Em relação aos documentos... só eu sei o que tenho em minha posse (eram secretos, como haveria de encontrar registo!!!)...lool

    Em relação à feria de bois, mas precisamente a feira do gado...se calhar exprimi-me mal... a feira existia na altura que o tesouro foi escondido (1807) e não em 1975...lol nessa altura existia um parque vedado se não me engano. O Toural só passou a praça de parque publica em 1878!

    Quanto à história das duas caras! Tenho com muito orgulho, como qualquer vimaranense que se preze... (não julge o sentido obvio desta frase e procure a resposta se não a sabe já na fachada do antigo edificio camarário de guimaraes!)


    Um abraço desde já sincero,

    Continune sempre igual a si,

    Pedro Azevedo

    P.S.- Já valeu a pena ter posto o post para o pôr a pensar :D parabéns pela preserverância!

    Sinta-se à vontade para visitar o asduascaras.blogspot.com e deixar comentários:D

    ResponderExcluir

Avisam-se todos os nossos clientes que a tabuleta onde se lê RESERVADO O DIREITO DE ADMISSÃO tem uma função meramente decorativa. Neste café pratica-se a liberdade de expressão, absoluta até certo ponto. Qual ponto? É o que falta saber.