[… continuado de aqui]
Onde, finalmente, se desvenda "o segredo que se oculta por trás de tanta e tão súbita vontade de escavacar o Toural".
α, que perseguia, no ranço dos papéis velhos, o rasto das invasões francesas em terras de Guimarães, não teve dificuldade em perceber de que tratava o escrito do Mestre-Escola.
Em Outubro de 1807, o D. Prior da Colegiada recebeu uma carta do príncipe regente em que mandava pesar e inventariar as pratas da Colegiada, para que fossem recolhidas nos mosteiros de Santa Cruz de Coimbra, Tomar ou Palmela. Esta ordem seria anulada por carta régia de 19 de Dezembro. Mas as pratas continuavam em risco, pelo que o Cabido decidiu esconder as mais valiosas, até que passasse a ameaça francesa. Foram introduzidas em quatro arcas de madeira, que se confiaram ao mestre-escola e a dois dos cónegos para que as colocassem em salvamento. Mas ninguém voltaria a pôr a vista em cima daquele tesouro: todos os que conheciam o seu esconderijo morreram antes que fosse resgatado, numa sucessão de trágicas coincidências, como se tivessem sido atingidos por uma maldição sinistra. Esta história é conhecida dos que, como α, conhecem a história da Colegiada de Guimarães.
Ao ler o que encontrou, α ficou dividido, entre a glória do descobridor e os acenos da cobiça. Como, dos humanos sentimentos, triunfam, em geral, os mais baixos, α tratou de esconder o papel e de congeminar o meio para chegar à prata.
No campo maior de correr toiros trinta e dous paços para lá da fonte na direitura do velho das barbas maiores hua grande lagem cimquo palmos por baixo da qual coatro caixoens com grande aver furtado aos gallicos aos vimte e hu de 10bro de oito cemtos & sete.
A mensagem era, afinal, clara como a água:
No Toural, a 32 passos do chafariz, na direcção para onde aponta uma das bicas onde está a cara de um homem com barbas grandes, debaixo de uma laje, a cinco palmos de profundidade, estão quatro caixões com um tesouro escondido dos franceses em 21 de Dezembro de 1807.
Com método e rigor cirúrgicos, α congeminou um plano quase diabólico. À primeira vista, havia duas dificuldades aparentemente insuperáveis: a primeira, era descobrir como desenterrar um tesouro escondido em plena praça pública sem atrair atenções indesejáveis; a segunda, porque o chafariz foi retirado do Toural há bem mais de um século, não era possível determinar em que direcção é que apontava o “velho das barbas maiores”: sendo o chafariz de configuração circular, a bica do velho poderia estar voltado para qualquer direcção. Só viu uma solução, que jamais poderia concretizar sozinho, pelo que tratou de a arranjar aliados: um arqueólogo, um empreiteiro e alguém capaz de mexer os cordelinhos nos corredores de Santa Clara.
Foi assim que nasceu o grande projecto: escavar todo o Toural.
Depois, foi só pôr a engrenagem em andamento, começando por convencer quem devia ser convencido das inesgotáveis virtudes e da infinita necessidade da construção de um aparcamento e de um túnel subterrâneos. Depois de aprovado o projecto, o arqueólogo apresentará uma proposta imbatível para os imprescindíveis trabalhos de prospecção arqueológica, que se propõe realizar sem nada receber em troca, pelo seu muito amor à ciência, e o empreiteiro aparecerá, a seu tempo, com um preço à prova de concorrência para os trabalhos de escavação e remoção de inertes. O golpe do século já está em marcha em Guimarães.
Moral desta história:
“A ambição é, entre todas as paixões humanas, a mais ferina nas suas aspirações e a mais desenfreada nas suas cobiças e, todavia, a mais astuta no intento e a mais ardilosa nos planos.” (Bossuet)
FIM ?