terça-feira, 29 de abril de 2008

A Província

As leituras dos jornais deixam-nos muitas vezes espantados. Tal como o meu caríssimo companheiro de café (Honoré), fiquei perplexo por saber que na Guimarães Capital Europeia da Cultura, se vai gastar um pouco mais do que se gastou com a Casa da Música. Afinal, como é possível gastar-se mais a requalificar dez hectares de uma cidade de província do que a construir um edifício no cosmopolita Porto?

Muito tenho reflectido sobre a nossa condição de “província”. Realmente estamos muito longe de tudo o que possa ser vagamente urbano. Estamos a 30 minutos do Porto, a 2h de Vigo, a 3h de Lisboa e a 5h de Madrid. Contudo, o nosso ego põe-nos a 0 minutos do centro do mundo, pois este é o local onde nós gostamos de viver, ainda que esse local seja na “província” e que a nossa vontade seja “provinciana”.

Após estas reflexões algo descabidas, soube de uma notícia que muito me agradou: os 15000 habitantes de Alcântara vão ver, também em 2012, a sua freguesia requalificada com um investimento de 600 milhões de euros.Finalmente uma cifra digna de uma Capital d’Império! A minha satisfação prende-se com o facto de saber que Lisboa está já livre dos problemas que assolam as cidades comuns (bairros sociais, degradação de edifícios históricos, etc) e que ainda não se encontra suficientemente endividada para se desviar do encantador caminho dos mega investimentos!

Também fiquei imensamente feliz por saber que a nossa cidade não tinha sido contemplada com uma verba excessiva para 2012 e que (apesar de GMR20012 poder vir a vergonhosamente superar o custo da Casa da Música) o país ganhou bom senso e decidiu pôr o dinheiro no seu devido lugar: Alcântara.

E assim corre o tempo numa das províncias mais pobres da Europa: o nosso belo Portugal.

domingo, 27 de abril de 2008

Quando Tanto É Muito, Mais Pode Ser Pouco

O meu exercício quase diário de leitura dos jornais costuma resumir-se a uma passagem de olhos pelas primeiras páginas, à porta do quiosque Cuca. Quem, como eu, das notícias já não consegue passar dos títulos, não raramente fica baralhado. Muitas vezes, lendo as gordas, percebe-se que os acontecimentos acontecem de maneira radicalmente diferente, em função dos jornais que narram o acontecido. Nada de anormal: cada um gosta de contar os contos à sua maneira, acrescentando-lhe cada qual tempero a gosto. Agora, se o mesmo jornal, no mesmo dia, em dois títulos que remetem para a mesma notícia, diz coisas diferentes, já acho um pouco estranho. É assim no Público de hoje. No rodapé da primeira página, apontando para a página 14, li o título: “Capital da Cultura / Guimarães vai custar mais do que a Casa da Música”. Tive um súbito assomo de vimaranensidade, fiquei em pulgas, quis saber mais, comprei o jornal, desfolhei-o até à página 14, li o título: “Capital Europeia da Cultura de 2012 vai custar tanto como a Casa da Música”. Fiquei confuso: vai custar mais do que? Ou vai custar tanto como? Entre o mais e o tanto, que diferença vai? Custando mais ou custando o mesmo, vai custar muito? ou vai custar pouco?

Depois de pensar um pouco, concluí que, se Guimarães só tivesse para gastar, com toda a festa de 2012, o mesmo que o Porto gastou com só um item do programa de 2001, isso não seria gastar pouco, seria um insulto. Não, não e não! Jamais poderíamos aceitar tal ultraje, tanto menosprezo, tamanha ofensa, semelhante agravo.

Depois de pensar mais um pouco, deu-me para fazer contas e fiquei com este sorriso quase obsceno, de orelha a orelha. A Casa da Música tinha um orçamento inicial de 16,25 milhões de euros e, no fim de contas, mais derrapagem, menos derrapagem, ficou por 100 milhões. Ultrapassou, portanto, mais de 6 vezes o orçamentado. Para Guimarães está previsto um orçamento de 111 milhões de euros. Acreditando que ninguém ousará impedir-nos de praticarmos um dos desportos nacionais predilectos, a derrapagem orçamental (quem poderia ousar?), e dando como adquirido que a Casa da Música será o nosso termo de comparação, temos o direito inalienável de aplicar o mesmo multiplicador ao orçamento inicial. Vamos, pois, gastar 683 milhões. Se a quantia não é estratosférica (diria mesmo que será um tanto ou quanto módica, se não modesta), sempre deve dar para umas dúzias de foguetes.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Missão Cumprida

Agora cumpra-se o prometido: venha daí a medalha de ouro da cidade de Guimarães.

[Com Pedro dos Leitões]

sábado, 19 de abril de 2008

O Trogloditismo à Luz da Nova História da Bastardia

Com o rigor sociológico que costuma marcar as reportagens que publica sobre a nossa cidade, lá está na página 26 do Expresso(*) de hoje mais um notável retrato dos vimaranenses, que são apresentados, para não variar, como os maiores entre todos os grunhos do planeta Terra. Por lá passa uma cidade onde tudo pára por causa do pontapé na bola(**) e passam também um velhote com delirium tremens que se recusa a comer no Natal, por causa do Vitória, claro, um jovem advogado com nome de passarinho, que nunca mais se pós-gradua, porque falta às aulas para ir à bola, um gestor estalinista que proíbe a família de ir de férias enquanto durar a época futebolística, uma muito feminil claque de malucas, para quem o vitória é mais importante do que a família e, la cerise sur le gâteau, um inigualável decorador de interiores, de gosto fino e delicado, que vive numa das “zonas chiques” da cidade e que tem na sala “um pequeno templo dedicado ao clube”, que inclui uma, très chic, parede de azulejos, pintados à mão, com a imagem do estádio, uma toalha na mesa de jantar, chiquérrima, com o emblema do vitória a preto e branco e um estendal de cachecóis, de “todo o tipo” e com “frases bélicas”, pendurado no tecto, chique a valer. Foi pela voz de tão excelso artista que actualizei o meu conhecimento acerca do porquê dos bragueses chamarem espanhóis aos vimaranenses, em resposta ao carinhoso epíteto de marroquinos que lhes atiram do lado de cá: “os de Braga chamam de ‘espanhóis’ aos de Guimarães por serem descendentes de filhos bastardos da mãe de D. Afonso Henriques com castelhanos” (***). Li três vezes, assim como quem pergunta: “importa-se de repetir?”, para ver se estaria a ler bem. Afinal, vamos ter de reescrever a nossa história e a biografia da mãe de Afonso Henriques, e sua progenitura, além de refazer a nossa genealogia, à luz dos sábios ensinamentos do requintado, e esfuziante de chique, mestre de artes decorativas.

(*) Não, não é o incontornável Expresso do Ave. É aquele jornal que, se fosse vendido ao quilo, ainda saía mais caro. O Expresso simplesmente.

(**) Eu julgava que só parava a Assembleia Municipal. Reconheço-o, estava redondamente enganado.

(***) Eu julgava que era por causa de certo ex-presidente do Vitória, com quem a justiça anda agora a ajustar contas, por ele um dia ter ameaçado inscrever o clube na liga espanhola. Estava enganado redondamente, reconheço-o.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

O Putativo, o Papagaio, o Lambe-Botas e a Dor-de-Corno

Cá por estas bandas, isto tem andado um pouco parado, por falta de matéria. Em Guimarães anda tudo muito certinho, e não fora o Presidente da Junta de Sande, o Clemente, a revelar-nos que na sua freguesia há anciãos com memória de mastodonte, capazes de recordações que vão, pelo menos, até ao tempo dos castros, e isto andaria com absoluta falta de novidades e de sal.

Já aquela terra onde mora o senhor arcebispo, que fica para lá da Morreira, anda com outro salero. Ali, a política é um combate excitante, que se trava com grande elevação e uma certa inovação no uso da língua, mesmo antes da entrada em vigor do famigerado acordo ortográfico.

Aqui há dias, a oposição ao redil mesquiteiro, acusava o Município de estar “de costas voltadas para o conhecimento científico que é produzido nas diversas esferas de investigação” das “Universidades de B#*$*”.

A resposta veio em forma de comunicado do Gabinete da Presidência do Eng.º Mesquita, assinado por Mesquita, adj., profundamente inovador e criativo ao nível da linguagem da comunicação institucional, em que criticava o “pretenso recandidato do "partido-de-luís-filipe-menezes"”, a quem chama de “putativo”, palavra que, como todos sabemos, costuma usar-se quando se quer atirar um mimo a alguém através da interposta pessoa da senhora sua mãe, sem se usar expressão mais abreviada, o qual pretenderia mostrar “que, se e quando chegar ao poder, líderes académicos e dirigentes políticos não passarão um dia que seja sem que consertem o futuro do concelho ao sabor do mesmo prato e do mesmo copo e ao som de um trompete afinado pelo mesmo diapasão”. Porque, como ninguém poderá ignorar, “o Município de B#*$* sempre se assumiu e foi assumido como parceiro privilegiado das várias instâncias universitárias bracarenses, participando activamente nos projectos que desenvolvem”. (Claro que sim, ninguém duvida: basta recordar, por exemplo, o que aconteceu com a intentada candidatura do Minho a Região Europeia da Cultura).

A este comunicado respondeu o Jiminy Cricket da terra braguesa, que se revolta até ao nojo e atira que o comunicado camarário é “inacreditável para quem lê, é infame para a terra e é desonroso para a democracia”, classificando-o ainda como “um documento cujo conteúdo não vai além da política de sarjeta, servida num estilo trauliteiro, soez e brejeiro”, uma evidência da sua prévia constatação de que, por ali, a política “é raivosa, bafienta e pérfida”.

O visado pelos comentários subtis, delicados e graciosos do comunicado autárquico, o putativo, sai então a terreiro, com uma réplica à altura da elevação da discussão, a denunciar, “a soberba oca e os insultos desbocados que tive o privilégio de receber do "Autarca lambe-botas do Sócrates" e do seu papagaio de serviço”.

Até aqui, tudo nos conformes. Linguagem límpida, pensamentos cristalinos, conversa asseada. O problema foi quando um leitor resolveu deixar no blog do putativo um comentário enigmático, que rezava assim:

Eu acho que é uma grandessíssima "DOR DE CORNO"!

Aí, o putativo perdeu o pé, e provavelmente o tino, se não a razão, e descambou por completo, quando ia tão bem!, dando-lhe para se encher de pruridos e atirar uma advertência severa ao comentarista:

Apenas deixei passar esse excesso de linguagem porque está ao nível do comunicado. Mas tente evitar esse tipo de expressões.

Porque, como todos sabem, os papagaios, especialmente os papagaios dos lambe-botas, não têm cornos.

Olha Ela...

Pelo visto, a EN101, a tal de que eu falava (quando fui acusado de catastrofista e, até, aconselhado ao suicídio), é uma das estradas com mais pontos negros em 2007.
Cada ponto negro equivale a 5 acidentes graves (*)... às tantas o excesso de trânsito e as más condições, constantes, da dita não são alheios a isto.
Ou, então, sou eu que penso mal de tudo o que é responsabilidade do Estado, e os condutores é que são todos muito maus...
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Imagem "furtada" à edição online do Público de hoje, dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

(*) Indicador de gravidade: IG = 100xM + 10xFG + 3xFL, em que M é o número de mortos, FG o de feridos graves e FL o de feridos leves.
Ponto negro: Lanço de estrada com o máximo de 200 metros de extensão, no qual se registou, pelo menos, 5 acidentes com vítimas, no ano em análise, e cuja soma de indicadores de gravidade é superior a 20.

Os acidentes em causa:
2007:03:28 15:35:00 0 1 EN101 96,300 Colisão frontal; 2007:01:28 19:55:00 0 1 EN101 89,200 Despiste com capotamento; 2007:07:12 16:40:00 0 1 EN101 79,010 Atropelamento peões; 2007:02:11 05:00:00 1 3 EN101 107,900 Colisão frontal; 2007:01:28 06:00:00 3 3 EN101 107,100 Despiste c/ col c/ v eíc. imob/obst.; 2007:08:06 19:30:00 0 1 EN101 84,650 Despiste simples; 2007:12:04 08:55:00 1 0 EN101 84,600 Colisão frontal; 2007:01:29 22:00:00 0 1 EN101 81,620 Despiste simples; 2007:09:09 07:35:00 1 0 EN101 81,260 Atropelamento peões; 2007:03:16 22:00:00 0 1 EN101 81,200 Col. tras. c/ outro veíc. mov.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Perdoa-lhes, Povo, Eles Não Sabem O Que Fazem...

"Lisboa, 10 Abr (Lusa) - O Conselho de Ministros (CM) aprovou hoje uma alteração ao regime de acesso e ingresso no ensino superior que permitirá a um estudante inscrever-se em simultâneo em dois ciclos de estudos superiores. O decreto-lei hoje aprovado procede assim à oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 296 A/98, de 25 de Setembro, que fixa o regime de acesso e ingresso no ensino superior."

Tudo bem e normal, a única coisa a registar é o facto de um decreto-lei de 98 ir na sua 8.ª alteração. Ou seja, em 9 anos e uns dias de vigência, o diploma que regula o acesso ao ensino superior foi alterado 8 vezes... Agora vou aguardar para ver quantas rectificações é que o dito diploma vai sofrer nas próximas semanas/meses.

É por estas e por outras que o ensino em Portugal é o que é e está como está. É, de resto, por coisas destas que tudo está como está. É por ninguém com responsabilidades governativas, nos mais variados escalões da administração pública, saber ao certo o que quer, nem ter capacidade de prever a mais de um ou dois anos.

São as estradas que se asfaltam para se esburacarem em seguida, porque ninguém se lembrou de perguntar, antes de asfaltar, se, por acaso, a EDP ou a Vimágua ou TV Cabo ou a PT ou sei lá quem mais, não quer instalar qualquer coisa, antes de se fazer a despesa. Depois temos a EN101 no estado em que está (aquela estrada que liga a Ínclita Cidade àquela terreola a norte, cujo nome não ouso pronunciar). E está nesse estado, mais ou menos de cinco em cinco anos, se não menos (por isso e porque se constroem auto-estradas por onde não passa trânsito nenhum, porque são demasiado caras, mas também ninguém previu isso).

São as ruas estreitinhas com que somos contemplados em cada legislatura, porque ninguém se lembra que elas vão servir por muitos e longos anos. Quer-se a cidade dos 100 mil, mas com caminhos de cabras, com os passeios todos muito alinhados, a terminar em ângulos rectos, para que os autocarros ocupem ambas as faixas de rodagem quando mudam de direcção ou, mesmo, subam os passeios, assustando os demais condutores (quando não são atirados para cima dos passeios ou amolgados) e os pedestres que circulam nos mesmos.

São os mercados que se constroem para ficar às moscas e os espaços que tardam em se revitalizar e, quando o forem (revitalizados), por falta de quem pense nisso, também vão ficar às moscas, por falta de público para eventos que não acontecem e que, mesmo que aconteçam, não têm público suficiente para estar em todo o lado e, muito menos, com dinheiro suficiente para ir a tudo.

São as taxas que se colocam no máximo, como se já não bastasse tudo o resto - no máximo - e todas as demais taxas que pagamos, sem perceber para que servem, nem quais as utilidades que, supostamente, desfrutamos, das quais são, dizem eles, contrapartida. Por exemplo: o que raio vem a ser a "contribuição audio-visual" que aparece na factura da electricidade? E a taxa de Exploração DGGE? Esta segunda, quer-me parecer, é a taxa que pagamos para sermos explorados pela DGGE. A primeira, é um bocado como as propinas e a taxa moderadora: é a taxa que (obviamente) se deve pagar por tudo o que, sendo serviço público (portanto já financiado pelos nossos impostos), devia ser universal e gratuito. Para melhorar a coisa, o Estado, esse amigalhaço que deve milhões aos privados que o fornecem, põe os mesmos privados a cobrar as taxas que revertem para ele. E, depois, o animal do PM (que é um animal, como todos sabemos, a menos que seja um robot-do-inferno - coisa que, confesso, já me passou pela cabeça), ainda tem a lata de anunciar (como se grande coisa) uma ridícula descida de 1% num imposto que ele próprio subiu em 2%, que não vai ter qualquer impacto, nem sequer nos preços (talvez, apenas, eventualmente, na margem de lucro dos nossos comerciantes, o que, a acontecer, já não será mau), como se, no total, impostos e taxas tivessem descido... E se fosse gozar com quem o monta, de cuja identidade e género não se sabe nada (e eu prefiro nem saber)?

E cá vamos andando, deprimidos que já nem tristes sabemos andar, o país todo a pastilhas, que engole com sapos e água de má qualidade e cara...

Uma mediocridadezinha...

Venha mais um fino, gerência, p'ra esquecer... Vá tirando que eu vou fumar lá fora, à chuva.