sábado, 22 de dezembro de 2007

Almoços Grátis Também Se Pagam ou a Soltura e o Fantasma

É o que dá o Natal. Este ano, comecei a via sacra das ceias ainda Dezembro ia no princípio. Depois da vigésima, o acumulado do bolo-rei, das rabanadas e dos mexidos mexeu-me com as entranhas, e vi-me constrangido a imitar o Olaf Oleiros quando vai fazer exames. Vinha eu a subir pela antiga rua das Oliveiras, onde agora tem a sua graça o zarolho que escreveu Os Lusíadas, quando começou a guerra intestina. Mal deu tempo de chegar às gloriosas retretes públicas que encimam a mais poética das artérias da cidade, onde fui recebido com a notícia de que, por força de uma momentânea ruptura no aprovisionamento, havia falta de papel higiénico. Mas não tem problema, sossegou-me a gentil senhora que me deu a novidade, arranja-se aqui um papel que serve muito bem para o efeito. Contrafeito (mas que havia eu de fazer?) agarrei nas folhas de jornal que me eram estendidas e fui-me ao serviço.

Como o desarranjo dava mostras de demorar, à falta de que fazer, deu-me para ir lendo os despojos do jornal que tinha entre mãos.

Foi então que me deparei com uma notícia, que não era bem uma notícia, nem era bem uma crónica, nem era bem um texto de opinião, nem sequer era bem uma reportagem, nem qualquer outra coisa que eu seja capaz de classificar, assinada por ninguém, e que falava de certos prós e contras acerca do Toural, onde terá estado, de um lado, “um dos autores da proposta de transformação do Toural para o século XXI” e, do outro, “a sociedade civil, alegadamente organizada para bater o pé às ideias de mudar o aspecto, tirar as árvores, logo impedir que haja um parque de estacionamento subterrâneo”. Alegadamente, a coisa prometia.

O ghost writer começa com um lamento: o debate foi curto e não permitiu “tentar um compromisso entre as duas tendências que se começam a cristalizar”. O que importa, diz o fantasma, é “ter uma mente aberta, no estilo inglês”. E, como quem não quer a coisa, vai dando um ralhete ao autor do projecto do Toural para o século XXI: bem que “podia ajuntar mais argumentos em favor da proposta de revolução que propõe”. E aproveita para atirar um, de sua lavra: “a praça manterá a sua afeição porque não podemos esquecer que o Toural também são os prédios à volta, os estabelecimentos comerciais, a igreja de S. Pedro e as pombas!”. Sim, meus caros, as pombas, as malditas pombas que cagam tudo, também são Toural!

Depois de ficar a saber que, do lado dos prós, também esteve o enigmático senhor F., descobri que a “voz dos contras” tem “ideias polémicas”. A “mais notável”, é a inaudita lembrança de deixar o trânsito a circular no Toural, “quando é evidente que há uma maioria de vimaranenses que não enjeitaria ver o automóvel dali para fora”. Pois é, além de fantasma, o escriba também é bruxo: tem uma bola de cristal com que mede, até à evidência, a opinião dos vimaranenses.

E mais não li. Já mais aliviado, dei às folhas do jornal o muito justo destino que lhes estava traçado. Serviram na perfeição, não obstante alguma aspereza.

E fui para a praça, com a mente aberta, no melhor estilo inglês, claro, dar milho às pombas. Afinal, elas também são Toural.

PS: Será que alguém (o Honoré de Balazar, que é tão dado aos mistérios, por exemplo) desvenda o segredo que se oculta por trás de tanta e tão súbita vontade de escavacar o Toural?

2 comentários:

  1. Leio este texto dentro do espírito da quadra, uma vez que me parece a consagração prática da versão popular de uma velha cantiga muito natalícia:

    Jinglóbel, jinglóbel
    Já não há papel
    Não faz mal, não faz mal
    limpa-se ao jornal

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  2. Mistério tem-no e grande. Daqueles de muito haver. Assim que me recompuser do tombo e da perna ao peito, conto-vos a história toda, tim-tim por tim-tim. COm a histórica contada, não ficará pedra sobre pedra, garanto-vos. Agora só quero encontrar resposta para outro mistério: quem foi o f. da p. que teve a desgraçada ideia de atapetar as ruas com alcatifa vermelha, ainda por cima das mais reles, onde eu me acabo de estatelar, ali mesmo em frente à Docélia, depois de ficar com o pé preso numa beira levantada da dita cuja?

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