quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Devolvendo um coice

Ontem, quando a manhã já estava mais para lá do que para cá, senti uma quentura desagradável na minha orelha esquerda, que se fez acompanhar por um rubor irritante e persistente. Só mais tarde, ao vir ao Café, percebi a origem do incómodo, mas não percebi o que percebi. Tinham tentado assestar-me uma aguilhada de cernelha, foi o que foi. Confesso que aquilo me deixou apoquentado, aborrecido e, talvez mesmo, um tudo-nada melancólico. Para desassombrar, fui caminhar por aí, pensativo e cabisbaixo. Dei comigo na veiga de Creixomil, junto a um acampamento de zíngaros e, ao ver o que vi, pensei cá para mim: ora aí está quem deve ser capaz de me explicar onde o Pedro queria chegar. Cheguei-me a ele e declamei, de um fôlego e de cor, a inopinada posta bacorina. A resposta que deu às perguntas do de Leitões foi sonora, porém enigmática, mas assertiva e, sobretudo, muito convincente. Foi assim:


Eu vi o progresso em forma de muridae

Estes dias, vinha eu no Campo da Feira a ler o Expresso do Ave, quando reparo numa cena insólita: mesmo ali junto à líder das grandes superfícies "low-cost" vimaranenses do pronto-a-vestir, a "Inflacção negativa", vejo um rato a atravessar o passeio, passar à minha frente, e enfiar-se por trás de uma caixa da EDP.

A minha primeira reacção foi reveladora de um certo asco e surgiu em duas fases distintas: Uma primeira (gritada) e que foi qualquer coisa como "Fôda-se! Cá puto de nojo!"; uma segunda (reflectida) e que foi do género: "Como é possível que uma cidade património da humanidade e que faz alarde da sua limpeza e higiene, tenha rataria a passear-se nas ruas?!"

Indignado, dobrei o jornal, apertei o cilício, estuguei o passo e dirigi-me à Câmara para expressar o meu protesto.

Uns metros à frente, junto à "Tasca Expresso", parei. Percebi que a decisão que acabara de tomar não fazia qualquer sentido. Não fazia sentido , em primeiro lugar, porque eram nove e meia da noite. Em segundo lugar, apercebi-me de que o avistamento do roedor era, afinal, um excelente augúrio. Pois não são as grandes metrópoles como Londres e Nova York assoladas por pragas desses bichinhos? Nesse momento percebi tudo: se os ratos têm um 6º sentido, que os faz prever as desgraças, devem ter um sétimo que os faz antecipar as venturas. Ora, eles já devem ter sentido que, com "Capitais de cultura", lagos artificiais, túneis, jardins subterrâneos e demais maravilheiro que aí vem, Guimarães é "the next big thing".

Fiquei feliz. A ratice já está a chegar, logo, o progresso está ali ao virar da esquina (por detrás da caixa da EDP). Entrei na tasca e mandei vir uma malga de tinto. Era tempo de festejar.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

O Paradoxo do Otorrino (*)

Denho andado dom o dariz endupido, as oiças odstruidas e a garganda imbadida bor um agende badogénido, brobabelmende um midroorganisbo...


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(*) ... a barte baradoxal reside do fado de sofrer ainda duba esdenose da bíscera dubular músculomembradosa que vai do duodedo ao redo, adombanhada de fladulência.



Em louvor e simplificação de um Lago para Guimarães

Onde se explica que não devemos rir como cavalos daquilo que não entendemos e de cernelha se argumenta que se em tempos ainda que remotos Guimarães esteve submersa em água é tempo agora de ter o seu Lago.


Quando a gente pensa que o Aldo todo gingão no uso da gramática se atira às lebres de Santa Clara, ei-lo logo de seguida a derramar-se no pensamento único da maledicência, nesse limbo verde de absinto onde se dissolve a difícil linha de consequência e responsabilidade. É mais uma boutade para ser glosada até ao tutano pelos maralhal do café. A cena do lago na veiga de Creixomil é motivo de paródia geral, é como bater no cidadão portador de deficiência visual.

Eu cá na minha acho que “eles” apresentaram o Lago nos 5 projectos para Guimarães como Boi Sacrificial, nascido para morrer.

Qualquer dia o Lago vai à vida ou encolhe para um espelho de água com repuxos fazendo eco das inquietações da sociedade civil. E virá então e depois o ritual laudatório da participação cívica, do diálogo e da tolerância democrática entre “eles” e os cidadãos empenhados.

Já estive na selva amazónica sem sair de casa, já vi muita coisa, o suficiente para dizer que teorias da conspiração são como as bruxas

A pergunta devia ser: é possível, ali, ter um lago bonito, limpo e que possa ser usado?

E conforme a resposta outra pergunta, precisamos disso?

A bem dizer o intróito prometia mais, ando cansado. Desafio era requalificar o planeta dos macacos e a ilha dos jagunços com um bruto projecto do Oscar Niemeyer, implodir a Quintã e amar o próximo assim coisas simples, estás a ver?

A Tasca da Perigosa é Nossa

O que fez Guimarães para merecer um enxovalho deste tamanho?
Será que já não há vimaranenses como antigamente, daqueles que levantavam a sua voz e resistiam à afronta com justos insultos e pedradas mais do que merecidas? O que andam a fazer os nossos autarcas, que ainda não vieram a público exteriorizar sinais de mais do que justa revolta?

A Tasca da Perigosa faz parte da Guimarães profunda, é um património nosso e inalienável. Integra a memória vimaranense, que também tem direito ao seu bas-fond. Deveria ser defendida. Se tinha problemas a resolver com a lei, esse era assunto nosso e só nosso.

Polícias de Barcelos (e logo de Barcelos!) a sitiarem Guimarães? Os detidos conduzidos para o tribunal de Famalicão (e logo Famalicão!)? Então, em Guimarães já não há polícias nem tribunais?

Não têm nada a dizer, senhores de Santa Clara, perante tamanha
ignomínia?

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

O Meu Domingo

Ontem quando acordei sentia-me algo cansado. Tinha tido uma noite alucinante numa discoteca da Povoa de Lanhoso. Acordei completamente nu, apenas coberto por um capote alentejano. Ao lado da cama tinha um balde de gelo com um dedo mindinho (humano) cortado e cuidadosamente mergulhado no gelo que, em parte, já se encontrava a modos que derretido. Até aqui tudo bem. Livrei-me daquela tralha toda e decidi ir tomar o meu pequeno-almoço e ver as notícias. Queria estar a par de tudo o que se passa neste Mundo horrível em que vivemos.

Ao ligar o televisor reparei que não conseguia ouvir nada. Barafustei com o electrodoméstico (espero que as tvs se insiram nesta categoria) e decidi ligar a telefonia. Ao ligar o aparelho apercebi-me que também não conseguia ouvir nada…Comecei a ficar preocupado com o silêncio sepulcral que se fazia sentir. Só podia haver uma explicação para o que estava a acontecer: eu estava surdo!

Saí de casa rapidamente em direcção à clínica mais próxima. Pelas ruas, pejadas de gente vinda de todas as partes do concelho, senti-me como a primeira personagem de um filme mudo vimaranense. Mudo ou surdo? Mudo ou surdo? Filme mudo ou filme surdo? – perguntava-me eu, enquanto corria esbafodido pela cidade fora.

Ao chegar à clínica dirigi-me à recepção onde fui recebido com um sorriso que tinha tanto de mudo (ou de surdo?) como de cínico…Vi que havia ali uma dose de conspiração, ou de filme mudo de ficção cíentifica/terror (daqueles em que ou outros são os maus e eu sou o bom). Corri dali para fora o mais depressa que pude. O medo apoderava-se de mim. Nas estradas que eu atravessava a correr os carros, sem que eu os ouvisse, buzinavam e tudo me soava, sem que eu ouvisse, a loucura.

Procurei refúgio nestes pedaços de campo que ainda teimam em esconder-se dentro da cidade. Perto do novo Mercado, ao saltar um muro caí na fresca relva de um campo e desmaiei. Acordei com uma cabra a comer um pedaço de salsa que me saía do meu ouvido direito. Constatei que tinha um raminho de salsa enfiado no meu ouvido esquerdo. Após o retirar reparei que ouvia perfeitamente.

Foi um Domingo diferente o meu. Fui para casa, aproveitei a salsa e ao almoço fiz um bacalhau à Braz. Ao jantar aproveitei a cabra, que por uma questão de gratidão tinha adoptado, e fiz uma chanfana.

Boa Semana!

domingo, 28 de outubro de 2007

Última Hora: Guimarães Sitiada

Hoje madruguei. E, ainda por cima, é domingo.

É o que faz mudar a hora. Sou contra. Fica uma pessoa sem saber a quantas anda durante uns dias, o que não é nada bom para a saúde. Resolvi vir para a cidade, tirar retratos aos vimaranenses (algum dia se há-de corrigir uma das maiores injustiças de todos os tempos, e eu quero estar preparado para esse dia).

Em chegando ao Toural, encontrei a cidade sitiada. Eram polícias, muitos polícias, daqueles que assustam só de olhar para eles. Ainda nem tinha conseguido esfregar os olhos, que ficaram baços de espanto, e já dois amáveis matarruanos, com as caras tapadas por passa-montanhas que só deixavam ver os olhos, me advertiam de que, fotografias, nem pensar (não havia necessidade do aviso: eu só queria fotografar vimaranenses e aqueles senhores, que nem cara tinham, não tinham cara de gente de cá).

Fiquei em pulgas, fervendo de excitação. Estava em curso, sem dúvida, no mínimo, uma operação anti-terrorista. E já estava a ver os noticiários internacionais a abrirem com imagens da nossa cidade. Guimarães, na rota do terrorismo internacional. Excelente propaganda, pensei cá para mim (já imaginava um brilhante slogan da Zona de Turismo de Guimarães, em que se exploraria a proximidade fonética das palavras terrorismo e turismo).

Parece que me enganei.

No quiosque onde fui comprar uma caixa de fósforos (não pelos fósforos, mas para ouvir o que se dizia, porque não conheço fonte de notícias mais segura do que o sítio por onde aparecem todos os jornais), percebi que se tratava de uma operação da ASAE.

Afinal, os tipos eram da ASAE. Haverá notícia mais desinteressante?

Segundo o que apurei junto da minha fonte (que não devia ser suspeita, porque não vi por lá nenhum daqueles polícias), todo aquele aparato tinha a ver com uma rusga a um talho clandestino que vendia carne importada da América do Sul, ali para a Avenida D. Afonso Henriques, muito discreto, escondido atrás de vidros fumados e sem nenhuma indicação na porta (excepto um autocolante do Halls Mentho-Lyptus, que sempre me pareceu muito suspeito).

Ora bolas. Uma reles operação da ASAE.

Guimarães merece mais, muito mais!

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Estarão Doidos?

Ontem meteram-me por baixo da porta o cartaz que aí vai, que vinha acompanhado por um convite. O autor da façanha ou é alguém que tem um sentido de humor tão aprimorado e subliminar que não está ao alcance do comum dos mortais, ou não passa de um reles e grosseiro provocador, ou, simplesmente, será um suicida que já perdeu o amor à vida. Era só o que nos faltava: promover uma exposição fotográfica sobre os vimaranenses, acompanhada por um livro sobre os ditos em que não participa a maior sumidade na matéria, será o mesmo que falar de futebol e não convidar o Luís de Freitas Lobo, discorrer sobre o coração sem ouvir o Professor Pádua, dissecar uma ocorrência de faca e alguidar sem auscultar o Moita Flores, reinterpretar o milagre da Rainha Santa Isabel sem consultar o Hermano Saraiva ou cavaquear sobre sexo na ausência da palavra sábia do Machado Vaz. Estou mais ou menos abespinhado, praticamente em estado de choque e quase quase a espumar de raiva. Já rasguei o cartão do Cineclube e garanto que não volto a pôr os pés no Museu Alberto Sampaio. Fazem-me aquilo pelas costas e ainda lhes sobra lata suficiente para me mandarem um convite, como se eu me prestasse a ir prestigiar aquela excelentíssima porcaria. Já não há decência, essa é que é essa!

A Difícil Vida Na Citânia

Bartildun ruminava no seu jardim, dando às malvas o portador da mensagem que acabara de lhe chegar. Por diversas vezes invocou o nome de Nabia em vão, como outras tantas, antes dessas, em vão, o invocara. Era pesado o momento. Bursu, sua filha única e tesouro maior do humilde caçador, era perdida às mãos e outras partes do vigoroso, Ebarcor, “O Desfibrilhador”, filho de Burun.

Ficou, assim, entre atónito e angustiado, matutando no feito até ao anoitecer. Rogou pragas, espezinhou ervas e flores, pontapeou gravilha, remoeu em silêncio. Cara fechada e punho tenso, inopinada e distraidamente afagou diversas vezes a alabarda que jazia, encostada ao muro que delimitava o seu pequeno jardim. Hesitou ainda recorrer à justiça, mas a sua raiva não podia esperar.

A coberto do ocaso, saiu a pé e, após galgar os sucessivos muros que delimitavam e protegiam a civitas, sem se deixar detectar, percorreu firme os atalhos que, mesmo sem luz, reconhecia, primeiro a descer São Romão, posteriormente e sempre, na direcção de Sabroso. Sabia onde encontrar o meliante e já nem via bem, apesar da lua cheia. Na sua mente, cruzavam-se ideias várias, incoerentes, de como tudo devera ter ocorrido, o animal possuindo a sua filha, à bruta, o seu suor fétido pingando sobre o dorso alvo da adolescente. Por um momento, sentiu uma vaga excitação e enleou-se em pensamentos lúbricos, mas depressa retomou a sua determinação anterior, ao embater no tronco indelicado de um pinheiro.

Encontrou-o, bêbado, fora das muralhas, como previra, a dormitar sobre a hacaneia, quase a cair. Empunhou o punhal que seu pai, como ele caçador, lhe legara e, áspero, atirou:

- Ebarcor, filho de Burun! Um destes dias fodo-te!

Ebarcor, tentou endireitar-se, o que resultou apenas numa queda, e choramingou, quase a vomitar:

- Nabia m’arrebente, paizinho, se não amo a cachopa! Não se afadigue que antes de cumpridas duas jornadas, irei almoçar a sua casa, por mor de a desposar!

Bartildun chegou a casa às primeiras luzes da alvorada, entrou em silêncio, beijou a fronte de sua filha e, depois de se aquecer com o fogo que crepitava ainda ao centro da habitação, encostou-se o mais que pode à sua companheira, sussurrando-lhe ao ouvido:

- Amanhã, prepara o bornal que vou sair a caçar todo o dia e toda a noite! E adormeceu, na ilusão de que Ebarcor não era um grande mentiroso.

Por Onde Andas Tu, Guy Marais?

Última fotografia conhecida de Guy Marais, momentos antes de se perder na multidão, por Misha Gordin.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Toda a Verdade Sobre o Coiso da Colegiada

Na esquina mais famosa da torre da igreja da Colegiada de Guimarães, está suspensa uma figura de pedra grotesca, representada numa posição impraticável para o comum dos mortais, que seria um nadinha obscena e escandalosa, não fosse muito proveitosa e exemplar. Consta que está lá desde os tempos em que torre foi levantada, nos inícios de quinhentos, mas já quase ninguém sabe o segredo que nela se guarda. Aqui vo-lo deixo, tal como o bisavô do meu tio Francelino a ouviu contar ao sogro do seu tetravô, por lhe constar de um seu antepassado longínquo que a sabia de outiva.

Lá pelo ano de mil quinhentos e algo mais, começaram a suceder em Guimarães aparecimentos sinistros e inexplicáveis. O primeiro ocorreu em dia incerto, quando a tarde começava a cobrir a vila com a sua mantilha de lusco-fusco e o sino de correr já ia anunciar que as portas da vila se cerravam. Uma tal Brites, criada de fora da Casa do Arco, entrou espavorida na Praça Maior, em brados e prantos, anunciando que o demónio em figura lhe tinha aparecido à frente, junto à porta da Freiria. Dias depois, mais ou menos pela mesma hora, apareceu no terreiro das freiras de Santa Clara uma moçoila chamada Efigénia, filha do sapateiro da Porta da Vila, clamando por Jesus e pela Virgem Santíssima, que se lhe tinha figurado coisa ruim, ali perto dos Trigais. Nos dias que se seguiram, contaram-se outras aparições medonhas e sombrias. Na vila, os boatos circulavam asinha, com o diz-que-diz a acrescentar ao tamanho dos prodígios. O medo instalou-se e, por força do medo, nenhuma das mulheres de Guimarães ousava aventurar-se, desacompanhada, por fora dos muros da Vila, a partir dos meados da tarde.

Nenhuma, excepto uma. Uma brava e avantajada matrona, Alzira na sua graça, língua viperina e taberneira na rua da Arrochela, que, aos que lhe comentavam o destemor, respondia, seca, obscura e simplesmente:

- Ele que me apareça pela frente…

Certo dia, sucede o inevitável. O encontro. Alzira vinha das Hortas do Prior, com uma carga de lenha à cabeça e um molho de couves no regaço, quando escutou, sem sequer tremelicar, uma gargalhada que soou com uma entoação sinistra. Pela frente, viu surgir-lhe um embuçado que segurava, com ambas as mãos, as beiras da capa que o cobria, pondo à mostra um homem exíguo, nu e malfeito. Alzira mal conseguiu conter o espanto e a incredulidade perante a monstruosidade que os seus olhos lhe mostravam: um homem tão pequenino com aquilo tão desmesurado.

Foi então que ecoou por todas as praças e ruas da vila um grito furioso. O que disse foram palavras que ficaram gravadas para sempre nos anais de Guimarães:

- Ah, fideputa, vais engolir isso!

E assim foi. Daí a pouco, encontravam-no, curvado, morto, roxo e irremediavelmente asfixiado com aquilo enterrado até às goelas.

Celebrando o feito de Alzira, os vimaranenses resolveram perpetuar o martírio do infortunado capinha Nicolau Perdigão, mandando esculpi-lo em pedra e colocando-o naquela esquina da torre da Colegiada, para memória e escarmenta de outros que tais vindouros.

Os Clientes: Jean-Paul Voreira

Quem é Jean-Paul Voreira? Ninguém sabe.

Como todas as grandes figuras da nossa história, a personagem e o mito tendem a confundir-se. Assim, se sempre se pensou que havia nascido numa casa ao cimo da Rua de Camões, há hoje quem afirme que afinal veio ao Mundo em Viseu. Indubitavelmente.

Se uns dizem que nasceu em 1973, outros afiançam que foi em 1937. Há ainda quem defenda que o nascimento se deu em 1379 e foi mesmo publicado recentemente um pequeno opúsculo defendendo a tese que afinal foi em 3197, ou seja, que ainda não foi.

Mas se o passado de Jean-Paul Voreira é um tanto nebuloso, o presente não o é menos. Onde vive? Em Aldão, ou no último piso do edifício dos correios? É loiro, moreno ou anão? Não sabemos.

Sabemos sim que cursou arquitectura paisagística numa Universidade da Ucrânia e que foi o autor do tristemente esquecido 6º grande projecto para Guimarães: a criação de um corredor verde que começava na Caldeiroa e terminava em Atães.

Fora isso, resta a lenda: que é o "Alter Ego" de algumas personalidades vimaranenses das quais destacamos Pimenta Machado e Manuel Perú; que já andou à porrada com o Zé Lingrinhas e com o Cónego Melo e que tem problemas de bexiga.

Mito ou realidade? Verdade ou invenção?

A palavra a Jean-Paul Voreira.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Denúncia

Como de costume, aconchegado o bacalhau, fui pelo digestivo, um café de saco e um bagaço, do especial, o da garrafa do canto. Estava eu a contar as moscas e, quando já tinha contado duas, ou dezanove, ou nenhuma, começou a ramalhar no meu ouvido de tísico, que é o que fica do lado esquerdo, a conversa dos dois comparsas que fungavam por entre dentes na mesa ao lado. Se bem reparei, eu até os conheço, que já os terei visto um par de vezes lá para as bandas de Santa Clara. Se calhar, trabalham por lá, embora conste que, ali, não há quem trabalhe. O segredo que contavam, se era segredo, vai deixar de o ser, porque eu não sou de guardar estas coisas só para mim. Falavam eles nos projectos, os tais, os cinco para que Guimarães nunca mais volte a ser o que já foi, que estão em discussão pública, esperando-se que da discussão se faça luz num par, ou cinco, cabeças, já de si muito luminosas. E percebi dos seus cochichos que, muito à puridade, pela calada, que primeiro há-de ser para os amigos – inusitado seria se o não fosse (quem atrás vier, há-de fechar a porta, se a não encontrar fechada) –, já se preparam para começar a aceitar pré-inscrições para os postos de amarração da futura marina da Veiga de Creixomil.

Talvez Não...

O homem entrou no café e sentou-se num canto, junto ao balcão. Pediu um café e meia Macieira. Não com gelo nem essas modernices com que se tenta recuperar o tempo perdido, criando modas, como todas, artificiais: o brande bebe-se quente. Olhou em volta. Nem um rosto familiar. Estranhou. Inquietou-se. Acendeu o cachimbo, fumou vagarosamente, com um olho no jornal e outro na porta. Desesperou. Pagou, levantou-se, não necessariamente por esta ordem, e saiu. Estacou na ombreira e olhou em volta. Estava no café errado.

O homem voltou, então, a entrar no café e, afinal, estava lá tudo: o vago vapor etílico dos destilados de mosto, o cheiro a papel de jornal, a café e a tabaco, os amigos de sempre e as conversas do costume. Sentou-se de novo, despejou o tabaco ardido no cinzeiro, levemente, voltou a acender o cachimbo.

Talvez a verdade esteja na perfeição matemática dos círculos e nas circunferências, nas rectas e nos rectângulos e na aridez inexpressiva e sem data.

Talvez seja só falta de ideias… e a gente, assim como assim, adapta-se a tudo.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

A Alameda, os TUG e o Pós-Ruralismo Vimaranense

Fiquei profundamente magoado com o projecto que a Câmara Municipal de Guimarães apresentou recentemente para a Alameda de São Dâmaso.

Tenho que confessar que não fiquei enjoado com o facto de retirarem os carros e nem sequer fiquei constipado por fazerem daquilo uma zona pedonal. Contudo houve uma coisa que me magoou: saber que, em princípio, vão retirar os autocarros da Alameda.

Uma das coisas mais bonitas que Guimarães tinha (reparem que uso o Pretérito) era os verdinhos TUG, pejados de publicidade, a largarem e a recolherem velhotas na Alameda. Outra coisa engraçada era o facto dos TUG se largarem, emitindo uns gazes ruidosos e estranhos, quando paravam para recolher as ditas velhotas que, umas vezes tolhidas de medo e outras perdidas de riso não se conseguiam conter e também se largavam, imitando deste modo o bizarro comportamento dos autocarros. Ah, que saudades vou ter dessa pútrida sinfonia!

Para além disso a paragem dos autocarros na Alameda era uma espécie de descarga cultural que era feita na cidade. Em alguns domingos pude muitas vezes observar, enquanto lia nos bancos de jardim o Expresso do Ave, aqueles seres invasores e penetrantes a serem inseridos na cidade pelos Verdinhos da Alameda (nome que muitos já dão carinhosamente aos TUG). Depois, embevecido pelo canto dos pássaros, deixava-me sonhar: com o misterioso caminho dos TUG e com aquele riacho de pessoas que corria desesperadamente para a farmácia de serviço mais próxima…

Acabar com os autocarros na Alameda é dar a machadada final num movimento pós-rural que ainda teima em sobreviver na nossa cidade. É acabar com um momento de magia urbano-rural e é, acima de tudo, destruir um movimento migratório-cultural inconsciente.

Não iremos deixar a Alameda morrer!


PS: Foi a referência à Alameda (e a certos arrotos) feita pelo caríssimo Pedro dos Leitões que me motivou para escrever este texto. Dedico este pequeno trabalho a todos aqueles e a todas aquelas que vêm a sua pós-ruralidade posta em causa, bem como o acesso facilitado à farmácia de serviço mais próxima.

— Ainda o Apanhamos!

— Ainda o apanhamos!

— Ainda o apanhamos!

De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para apanhar o TUG, os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela Rampa da Devesa e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.


O meu amigo disse-me aí deus, que a minha apresentação era uma boa treta, estás para aí com rodeios, um linguadozito cheio de parágrafos, uma escrita telegráfica para encobrir a incapacidade de articular um texto narrativo coerente e com um mínimo de informação e gramática. Ouve Pedro, não te metas nesses comércios, tu és um de Leitões e antes de seres vimaranense és um homem, capicci. E abriu uma garrafa de vinho.

Entardecia. Pedro Nine (deve pronunciar-se Naine) gostava de mandar estas frases, antes se seres vimaranense és um homem, e outras do género, umas melhores que outras, esta não estava má.

E então eu disse: - Lá no café, discutia-se os 5 desafios para Guimarães, um tema que merece reflexão não achas, estou mesmo tentado a escrever sobre o assunto. Pio Nine levantou-se e veio ter comigo, a sua mão direita poisou muito digna no meu ombro, Pedro, Pedro ouve o que te digo, se vais escrever sobre essas merdas nunca mais ponho cá os pés, já matei por muito menos (aqui matar é figura de estilo), o menino Pedro não vê qualquer inconveniente em participar na patuscada geral, em entrar alegremente na onda de psitacose colectiva que atacou o burgo, opina-se, cita-se, ele é referências monográficas e fervilhantes erudições, e o tamanho e os extras, se a Alameda fica mais ou menos tunada, e as árvores se rapa, tira deixa ou põe, que no passado teve e depois deixou de ter, ou vice versa, capacita-te querido amigo, neste jogo rien ne va plus e tu nem sequer apostaste.

Bateram à porta, era a filha da Nelinha com uma dúzia de bolinhos de bacalhau para o menino Pedro, quentinhos. Dois prodígios, os bolinhos e a filha da Nelinha. Agradeci com honestidade e retribuí com uma compota de cogumelos com trufas cuja receita aprendera na minha estadia em Sundsvall. Quando a filha da Nelinha saiu fiquei na dúvida se aquela compota tinha sido boa ideia. Logo se verá. Neste entretanto Pio Nine continuava, apanhei-o quando dizia: - e depois hummmm aquela arquitectura de catálogo, igual igual ikea ikea, tão pequenóburguesa… oh, antes aquela coisa futurista daquele cromo teu amigo, o fetichista, o Aldo Nim, e deu um arroto, tinha terminado.

- Mas então o que fazer, perguntei, dando de barato a minha concordância ao seu manifesto.

- Nada, respondeu, vezes nada igual a zero que é o que vais ter no fim da partida.

- Vamos passar ao lado destes desafios, protestei suavemente.

- Já passámos meu caro, já passámos, respondeu Pio Nine avaliando o efeito da tirada, era o seu estilo.

Não respondi, estava noutra, talvez um ponch no café Toural melhorasse esta ansiedade, ver como param as modas.

(continua, ou não ou oh não…).

Os Clientes: Pedro de Leitões

Pedro de Leitões não é de Leitões, freguesia castiça do concelho de Guimarães, mas de outra do género, no mesmo concelho. Para que o moço não atrofiasse por ali, o seu pai, que não percebia nada de finanças mas possuía biblioteca, mandou-o uns tempos para o palácio de Fronteira, do seu amigo Marquês. Aí o podíamos encontrar, pelos jardins, lendo Hölderlin numa edição definitiva da Gedanken. Ou a flanar entre as mulheres, por aí fora.

Nos idos de 80 do século passado, Pedro foi à Suécia com um seu tio José. Este seu tio era um inaudito cavalheiro, nunca dizia não a uma senhora, qualidade notável que Pedro admirava e se esforçava por seguir. Foi nessa viagem singular que conheceu Heidi, a deusa anarco-libertária com quem viveu, durante três anos, numa comunidade psicadélica tardo-beatnick, em Sundsvall.

Por isto e por aquilo regressou à casa paterna, donde nunca saí, como costuma dizer, quando lhe dá a melancolia.

Pode ser visto a certas e determinadas horas com aquela tropa de putativos vencidos da vida do Café Toural. Também é motivo de muitos delírios gozosos o facto de Pedro de Leitões viver sozinho na sua quinta de brasão com um homem, um amigo, de quem nada se sabe a não ser o estranho nome de Pio Nine.

Convém talvez avisar que a passagem pela tal comunidade de Sundsvall ainda hoje se manifesta, uns flashesitos de vez em quando, principalmente quando escreve, confundindo-lhe as conexões, sobrepondo-lhe planos e tempos. Quando isso acontece, Pedro costuma dizer que a verdade não é uma narrativa plana, mas um rizoma.

sábado, 20 de outubro de 2007

Os clientes: Honoré de Balazar

Não falta lá na terra quem ache que há qualquer coisa que não bate certo em Honoré de Balazar. Vive, há um par de anos, na casa da família, no sopé do monte do Outinho, que mantém guardada por quatro dogues argentinos, sequazes submissos e obedientes de uma cadelinha Yorkshire Terrier que responde pelo nome de Frida Dominatrix. Filho de Gervásio e de Aparecida Fertuzinhos, gaba-se de ser bissexto, preparando-se para celebrar o seu décimo segundo aniversário em 2008. Ninguém sabe dizer por onde andou, nem o que fez, desde que partiu para o Brasil com os pais, ainda nos idos de sessenta do século passado. A sua pronúncia tem um acentuado arranhar caipira, que pode muito bem ser resultado do piercing que traz debaixo da língua. Costuma vangloriar-se de receber em casa certas senhoras de Braga, já entradotas, a quem consola, por filantropia e caridade, e que são popularmente conhecidas como as balazarianas. Diz praticar a profissão de escritor, mas ninguém lhe conhece qualquer livro. Consta que escreve pornografia light e que, por razões meramente comerciais, assina os seus livros com o pseudónimo de Margarida Rebelo Pinto. Prepara-se para começar a escrever uma série de textos curtos, sob o tema “A verdadeira história de…”. Há quem suspeite que tenha nascido mulher e que, certo dia, farta de aparar o buço pertinaz, teria decidido mudar de sexo e deixar crescer a bigodeira magnificente que agora ostenta. Quanto a isto, como quanto a tudo o que diz respeito a Honoré de Balazar, não há nenhuma certeza. Certo, certo é que a beata Deolinda, que cuida das coisas da Igreja do Divino Salvador, jura a pés juntos que descobriu no livro de registos da paróquia que, no dia 29 de Fevereiro de 1960, D. Aparecida Fertuzinhos deu há luz um rebento, que foi baptizado com o nome de Honorata.

Sinais dos Tempos

Há muito que ouço dizer que na blogosfera se escreve para o umbigo. Como o meu umbigo é cego, surdo e analfabeto de nascença, achava que escrever num blogue, além de não ter graça, era pura perda de tempo. Só decidi ajuntar-me a esta gente depois ter vencido preconceitos e mudado de ideias, por ter começado a perceber, por um par de sinais, que isto poderá, afinal, ter um alcance um pouco para lá do depósito de cotão que temos na barriga. Aqui vão dois (sinais):

Primeiro sinal

Aqui há tempos, à evidência da constatação de que “só falta mesmo o mar para Guimarães ter tudo”, em certo blogue, que hoje não é mais do que uma má (porque acabou) memória, avançou-se com uma proposta arrojada para se trazer um braço do Atlântico até terras de Guimarães, redesenhando a foz do Ave. Guimarães passaria a ter uma frente marítima com um porto de mar, uma marginal e, até - la cerise sur le gâteau - um bairro de pescadores. Ideia tão luminosa e visionária foi, lamentavelmente, desde logo classificada como uma quimera, uma utopia ou, simplesmente, uma tontice.

Dois anos são passados e já vemos a Câmara apresentar publicamente, com alguma pompa e muita circunstância, com ares de coelho acabado de tirar da cartola, uma cópia (descarada, embora pífia e desambiciosa) da ideia que, originalmente, foi apresentada aqui (vi-me à nora para apanhar o link*), propondo-se criar, na Veiga de Creixomil, uma frente lacustre.

Segundo sinal

Já lá vai mais de um ano, num outro blogue, também já defuntinho, a propósito do sistema de áudio-guias do Centro Histórico, que nos custou muitos euros e que quase ninguém utiliza, por ser caro e pouco prático, foi sugerido o óbvio: que as gravações fossem disponibilizadas na Internet, para que cada um as utilizasse como muito bem entendesse. Tardou, mas foi ouvido: já se anuncia que os tais ficheiros vão ser colocados na net, para cada um "fazer o trajecto como quiser, onde quiser e com quem quiser".

Dois sinais, duas lições

Primeira lição: afinal, pode valer a pena esperar - podemos ser lentos, mas acabamos por chegar lá.

Segunda lição: ainda havemos de ter um jardim subterrâneo no Toural.

*Já que não publicam o livro, os gajos bem podiam deixar-nos continuar a ler os textos do 4800Guimarães.

Merda de Cão, Merda de Artista

Na sequência do último parágrafo deixado pelo nosso/meu/dele Marquês da Caldeiroa decidi não ficar calado. Muitos de vocês devem estar a pensar que eu iria cair no erro (e na piada fácil) de dizer: decidi não ficar calado e dei um grito. Não o fiz. E não foi por ter medo do ridículo que não o fiz. Decidi não o fazer por questões puramente estéticas, de estilo e até de escola.

O que eu decidi fazer foi vaguear pela cidade, munido de sacos de plástico, e apanhar as fezes dos animais domésticos que, não fazendo jus a sua condição de domésticos, resolvem poluir, sistematicamente, diversos locais públicos.

Depois de recolher a merda dos ditos animais resolvi imitar um artista italiano e enlatei a trampa em latas devidamente numeradas. O que eu pretendo fazer com isto é financiar o futuro Centro de Arte Contemporânea de Guimarães. E perguntam vocês: como?

E respondo-vos eu: ora eu estava a pensar em falsificar as latas, vender a merda enlatada (cujo o último lote, da verdadeira, rendeu cerca de 100000 euros) e com o produto das vendas pôr um grande mestre da arquitectura internacional a desenhar um grandioso museu para Guimarães 2012.

E pensei nisto tudo para evitar que, tal como aconteceu a uma certa e determinada praça junto a um tribunal, tenhamos um futuro museu de merda. Fui claro?

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Grandes Projectos

Sou uma pessoa muito dada a reflexões. Quase sempre espúrias e portanto desprovidas de qualquer interesse que vá para além da análise psiquiátrica da mente humana. No meu caso muito particular, a mente é capaz de gizar teses e pensamentos que são muitas vezes assustadores. Assustadores, não pelo seu brilhantismo, mas sim porque na maioria dos casos reflectem a perfídia e malvadez de forma verdadeiramente assustadora (passo a repetição). Um destes dias, tentei pois colocar a minha cansada mente ao serviço de uma causa mais nobre e reflecti, pausada e serenamente, acerca destes novos projectos que nos foram apresentados pela edilidade.

A primeira imagem que me veio à cabeça foi a de uma velha a remexer um preparado artesanal num caldeirão de metal pousado sobre um lume brando, quase que consegui sentir o odor da madeira a crepitar e o cheiro forte do que quer que fosse que a velha de nariz adunco e cheia de verrugas lá cozinhava… Depois detive-me, dei um estalo em mim próprio, e voltei a pensar nos projectos.

Parecem-me magníficos. Parecem-me rebuscados e ousados, parece-me que podem efectivamente mudar a face da nossa cidade. Mas também me parece que nunca o poder central nos dará verbas para os implementarmos convenientemente. E portanto penso ser mais urgente debater aquela que é a verdadeira actualidade Vimaranense, aquela que a todos importa neste momento.

Li num jornal que a câmara vai colocar "dispensadores de sacos para fezes de cães" por toda a cidade. É, meus caros leitores, uma ignominia!!! Já não basta que as pessoas gostem de ter animais, ainda anda a Câmara a promover que estes se possam passear pelas ruas! Sou contra! Sou contra os sacos, sou contra os cães, sou contra a câmara, sou contra a miscelânea homem-animal-animal-homem! Sou contra!

Haja decência!

Marquês da Caldeiroa

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Rabiscos Sobre Toalha de Papel

Despojos da recente passagem de um jovem artista pelo Café Toural, onde se alambazou com um cravo à Martinho, embrulhado em duas Abadias, raspando-se à francesa, de papo cheio e sem pagar a conta. O Olaf, que é previdente e tem tino para o cifrão, abarbatou-se com a toalha, certo de que ainda lhe há-de render algum, quando ele for mais famoso.

Os Nossos Clientes: Marquês da Caldeiroa

Nascido nas traseiras de uma casa da rua de Camões no ido ano de 1915, desde pequeno se mostrou uma pessoa ardilosa, traiçoeira de mau fundo.

Filhos dos Barões da Caldeiroa, obteve o título de Marquês em 1943 em circunstâncias muito duvidosas que ainda hoje fazem correr tinta nas mais altas instâncias Casa Real Portuguesa, bem assim como no Bundestag (antigo BundesReich - no qual o Marquês foi, até ao ano de 1945, figura muito apreciada e bem vinda).

Doutorado em bioquímica pela Universidade Complutense de Madrid, é também apaixonado pela mitologia escandinava bem assim como pelo jogo de xadrez.

São-lhe imputados crimes diversos, goza de uma reputação que nos abstemos de aqui publicar por respeito aos nossos leitores.

Participa desde muito novo em discussões acaloradas acerca do futuro, passado, presente e destino da cidade que o viu nascer e onde vive numa casa apalaçada, sozinho.

Polémico quanto baste, desbragado e desmedido no emitir de opiniões acerca de Guimarães, é visto com desconfiança pela maioria dos seus concidadãos.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Maravilheiro

Após ver os projectos para Guimarães fiquei maravilhado.

Estar maravilhado é, dentro de uma certa concepção das coisas, um estado de espírito. Estar maravilhado pode ser também um sentimento, isto para as almas mais sensíveis. A maravilha e o maravilhamento que resulta do seu sentir é, para muitos, uma estupidez. E a estupidez, bem como a maravilha é, para muitos, uma moda – a estupidez é uma moda porque, por exemplo, estamos sempre a votar nos mesmos políticos o que prova que está na moda ser-se estúpido e a moda é uma estupidez por que é algo inerente à sua condição de moda (e porque, por exemplo as maravilhas estão na moda: há anúncios em que se fala de maravilhas, há as 7 do Mundo e de Portugal, as 5 + 1 de Guimarães, etc).

Ora estando eu maravilhado tenho que me inserir numa das seguintes categorias:

1º - A de alguém cujo estado de espírito se deixou tomar pela maravilha.

2º - A de alguém que sente a maravilha como algo seu.

3º - A de alguém que é estúpido e se deixa maravilhar.

4º - A de alguém que vai em modas.

Como devem calcular escolhi a 3ª opção. E aproveito a estupidez inerente à minha capacidade de me maravilhar para fazer a seguinte pergunta: Onde é que eles vão buscar dinheiro para tanta maravilha?

Os Nossos Clientes: Martinho das Sandes

Oriundo provavelmente do norte do concelho de Guimarães, Martinho, nascido a 24.06.1128 e, posteriormente, também, a 23.06.1853, existe, no entanto, como entidade imaterial desde os alvores do calcolítico.

Tendo ontificado por diversas vezes, aproveitou essas oportunidades para viajar a pé, tendo percorrido várias distâncias (entre as quais avulta uma caminhada ininterrupta de 342,8m, desde a Morreira até Balazar). Nas suas erráticas viagens, assistiu a diversos prodígios, dos quais dá relato abundante - tendo escrito 6.323 tomos das suas memórias que nunca publicou -, travou conhecimento com as mais díspares personalidades das várias eras, embora algumas teimem em não o cumprimentar.

Inspirou diversas invenções, como o bronze e a água carbónica mineral. Outras importou-as, melhorou-as e disseminou-as, como foi o caso da sandes, vagamente inspirada pela ânglica sandwich, à qual, num golpe de puro génio, retirou o palito e o guardanapo, introduzindo a definitiva solução de continuidade transversal e o acompanhamento com um copo de tinto. Tal corte epistemológico, veio a ser reconhecido pelo povo que, aos gritos de "Santo!" o incluiu na toponímia concelhia, acompanhado pela sua criação.

Hoje, sem o vigor de outras épocas, continua lúcido e activo. Pensa, escreve e produz vinho verde tinto, apenas para o seu consumo, numa quintinha próxima da cidade, onde recebe os seus muitos amigos para animadas tertúlias e, amiúde, os trata mal.

Os Nossos Clientes: Olaf Oleiros

Olaf Oleiros terá nascido algures na segunda metade do século XX em Oleiros, Guimarães. Olaf é filho de mãe desconhecida (natural de Oleiros) e de pai norueguês (de seu nome Olaf Reud, nascido na Ilha do Urso na Noruega).

Olaf Oleiros foi fruto de um estranho melting pot genético que culminou na curiosa escolha do seu nome, que quando pronunciado rapidamente em português pode ser facilmente encarado como uma provocação.

Olaf estudou um pouco por todo o Mundo tendo começado os seus estudos na escola primária de Oleiros e tendo acabado os mesmos na escola primária da Ilha do Urso. No entanto, Oleiros também estudou Filosofia, História, Cinema e Podologia nas mais prestigiadas instituições académicas do Mundo.

Olaf Oleiros é visto pelos seus amigos e colegas como um intelectual de primeira, um orador brilhante, um filósofo impar, uma pessoa normal e como um amigo sem escrúpulos.

Olaf é um indivíduo alegre e bem disposto, sempre pronto para uma boa discussão. A sua bebida preferida é o chá de tília, uma bebida que, devido aos seus efeitos calmantes, já o salvou de perder a cabeça e pôr uma bomba em alguns dos mamarrachos que se vão construindo pela sua Amada Guimarães.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Para um Toural 3 em 1

Pormenor do jardim de Forestiere, em Fresno.

Não faltava por aí quem dissesse que em Guimarães não acontecia nada. Em tais ditos deve ter tido origem a febre que atingiu os da nossa governança municipal, dispostos a demonstrarem que, afinal, a cidade mexe. Reparando bem, terão concluído que o Toural estava mesmo a pedir uma mexida, uma vez que se mantém praticamente inalterado há vários lustros. Como sentiam que era urgente fazer qualquer coisa, chamaram um par de arquitectos, reunindo-se todos na Cervejaria Martins, à volta de uns finos e de uns improváveis caracóis. Rebentou então uma estupenda tempestade cerebral, que fez pairar sobre o Toural uma Névoa um tanto ou quanto sombria. Eis senão quando, tiveram uma ideia brilhante, porém óbvia: o que o Toural precisa é de um parque subterrâneo e de um restyling que o transforme numa praça adequada à moda da estação, sem árvores, mas com uns canteiros de hortênsias ou hortaliças similares, folheada a granito made in China. Ao contrário dos municípios e dos arquitectos, que o que mais querem é fazer obras, os vimaranenses são, por inércia, natureza e tradição, avessos à mudança, pelo que a discussão se pôs tão viva como deverá estar o carvão com que a D. Maria assará as castanhas outonais. A vox populi inflamou-se. Porque é que se vão agora meter com o nosso Touralinho, se ele está tão bem como está e não fez mal a ninguém? Para quê um parque subterrâneo, se o que para aí mais são parques, até mesmo subterrâneos, que, em vez de recolherem carros, servem de abrigos para moscas? Já quanto aos propósitos de holocausto arborícola, por uma questão de simples decência, estamos impedidos de aqui reproduzir o que por aí se tem dito.

Dei comigo sentado na esplanada da Camir a pensar sobre o momentoso problema que agora nos inquieta. Esvaziado um par de finos, que emborquei sem o acompanhamento dos abomináveis caracóis, acabei por ter uma iluminação brilhante, porém inaudita. Confesso que o mais difícil foi encontrar uma solução capaz de compatibilizar as árvores com o parque de estacionamento e o espaço pedonal. Confesso, também, que a invenção não é minha, mas de Baldassare Forestiere, um horticultor siciliano que emigrou para a América em anos recuados de novecentos e que, ao longo de quatro décadas, com inventiva e pertinácia, gastou a vida a escavar um jardim prodigioso em Fresno, na Califórnia, onde plantou inúmeras variedades de árvores, da oliveira à tangerineira, passando pelo pereira italiana, pela alfarrobeira, pela amendoeira ou pelo kumquat. Um jardim botânico vicejante e subterrâneo. Levada à prática, a solução que proponho irá afirmar-se, seguramente, como um poderoso factor de atractividade turística, capaz, até, de ombrear com o Fluviário de Mora, ao mesmo tempo que responderá às preocupações dos que agora se levantam contra o planejado arboricídio.

A minha proposta de intervenção no Toural, que será um manifesto pós-moderno, futurista, revolucionário e genuinamente vimaranense, integra três componentes:

a) um jardim subterrâneo;

b) um parque de estacionamento de superfície, ao nível do actual jardim;

c) um novo piso, elevado por cima dos edifícios, com a exacta dimensão da praça actual, onde será criado um magnífico rossio pedonal, no qual se poderá desfrutar de toda a amplidão e majestade daquele espaço, com o valor acrescentado da possibilidade de fruição de uma fantástica visão panorâmica, a 360º, sobre a cidade. O acesso a esta nova praça será assegurado por quatro elevadores transparentes, implantados nos cantos da praça.

Eis aqui uma solução 3 em 1 para o Toural, capaz contentar todos os vimaranenses agora desavindos, por conjugar um parque para automóveis, um jardim, com árvores e tudo, e uma praça generosa e desafogada, exclusiva para peões.

Os Clientes: Aldo Nim

Aldo Nim veio ao mundo em Azurém, na segunda metade do século passado. É ambíguo de nascimento, por parte de pai e mãe. Por julgarem que era uma rapariga, começaram por lhe chamar Alda. Verificado o engano, ficou Aldo, para evitar mais trabalhos. Fez a primária na Escola de Donim, onde tem metade das suas raízes e onde voltou a morar depois de ter andado sabe-se lá por onde. Frequentou diversos institutos, escolas, colégios, ATL's, universidades e madrassas, tendo acabado por se licenciar em Bioquímica das Generalidades Fragmentárias, pela Universidade de Lovaina. É também titular de um diploma de estudos superiores especializados em Gestão e Organização de Conhecimentos Inúteis e Dispersos, obtido no Instituto Estadual de Maringá, na Amazónia brasileira. É conhecido pela rectidão com que prossegue pela linha que traçou para se relacionar com os seus semelhantes. Amigo de seus amigos, nunca diz não a ninguém. Pertinaz e obstinado nas suas convicções, nunca ninguém o ouviu pronunciar um sim. Não é novo, nem velho; nem fraco, nem forte; nem sério, nem pulha; nem virtuoso, nem devasso. Assim é Aldo Nim: nem não, nem sim

Nota de Abertura

Desde o aparecimento dos mais rudimentares cafés, sensivelmente há tempos imemoriais, que a humanidade neles conheceu avanços e recuos. Guimarães, como parte integrante da humanidade que é – sendo até, relembre-se, património da mesma – não é excepção: a sua História passa também pelos seus cafés. Dois exemplos, enrodilhados no confuso novelo das Lendas e em extremos opostos do Tempo, ilustram com lhaneza o que acabou de se escrever: o primeiro leva-nos a vésperas de 24 de Junho de 1128, ao famoso botequim do Javali Azul, à Vila Velha do Castelo. Diz-se que aí, um jovem chamado Afonso Henriques terá afirmado o célebre “eu vou-me a ela”, sendo ela não a conhecida cerveja fermentada no mosteiro de Pombeiro de Ribavizela, que fazia as delícias do Quase-Rei, mas sim a senhora sua mãe, Teresa. Quase mil e tal anos mais tarde, reza a lenda que às opacas mesas de vidro do Café Milenário o presidente da Câmara terá proferido o igualmente célebre “está bem, vamos lá candidatar-nos a isso da Cultura em 2012”.

Como facilmente se conclui, o café é, ou deve ser, um espaço de decisões, históricas ou nem por isso, quase sempre antecedidas de calorosos e profícuos debates. Espaço privilegiado de tertúlia e debate, o café é o lugar ideal para queimar palavras. É por isso que há quem reconheça a existência de um conceito de conversa de café, de uma corrente de pensamento por vezes facilitista e populista, por vezes densa e erudita, que só surgiu porque existem cafés. A ela se referem nomes tão díspares da intelectualidade, desde Arnold Geulincx, o flamengo, até Adelino Pinheiro, o derridiano da Rua Rei do Pegu. É, pois, com este espírito de missionário que um grupo de investidores nacionais e estrangeiros reabre, de hoje em diante, debalde e doravante, o lendário Café Toural. Sejamos todos bem-vindos, ora pois; discutamos a nossa cidade, pois então. Sempre com café à frente, por obséquio.

A Gerência.