Na esquina mais famosa da torre da igreja da Colegiada de Guimarães, está suspensa uma figura de pedra grotesca, representada numa posição impraticável para o comum dos mortais, que seria um nadinha obscena e escandalosa, não fosse muito proveitosa e exemplar. Consta que está lá desde os tempos em que torre foi levantada, nos inícios de quinhentos, mas já quase ninguém sabe o segredo que nela se guarda. Aqui vo-lo deixo, tal como o bisavô do meu tio Francelino a ouviu contar ao sogro do seu tetravô, por lhe constar de um seu antepassado longínquo que a sabia de outiva.
Lá pelo ano de mil quinhentos e algo mais, começaram a suceder em Guimarães aparecimentos sinistros e inexplicáveis. O primeiro ocorreu em dia incerto, quando a tarde começava a cobrir a vila com a sua mantilha de lusco-fusco e o sino de correr já ia anunciar que as portas da vila se cerravam. Uma tal Brites, criada de fora da Casa do Arco, entrou espavorida na Praça Maior, em brados e prantos, anunciando que o demónio em figura lhe tinha aparecido à frente, junto à porta da Freiria. Dias depois, mais ou menos pela mesma hora, apareceu no terreiro das freiras de Santa Clara uma moçoila chamada Efigénia, filha do sapateiro da Porta da Vila, clamando por Jesus e pela Virgem Santíssima, que se lhe tinha figurado coisa ruim, ali perto dos Trigais. Nos dias que se seguiram, contaram-se outras aparições medonhas e sombrias. Na vila, os boatos circulavam asinha, com o diz-que-diz a acrescentar ao tamanho dos prodígios. O medo instalou-se e, por força do medo, nenhuma das mulheres de Guimarães ousava aventurar-se, desacompanhada, por fora dos muros da Vila, a partir dos meados da tarde.
Nenhuma, excepto uma. Uma brava e avantajada matrona, Alzira na sua graça, língua viperina e taberneira na rua da Arrochela, que, aos que lhe comentavam o destemor, respondia, seca, obscura e simplesmente:
- Ele que me apareça pela frente…
Certo dia, sucede o inevitável. O encontro. Alzira vinha das Hortas do Prior, com uma carga de lenha à cabeça e um molho de couves no regaço, quando escutou, sem sequer tremelicar, uma gargalhada que soou com uma entoação sinistra. Pela frente, viu surgir-lhe um embuçado que segurava, com ambas as mãos, as beiras da capa que o cobria, pondo à mostra um homem exíguo, nu e malfeito. Alzira mal conseguiu conter o espanto e a incredulidade perante a monstruosidade que os seus olhos lhe mostravam: um homem tão pequenino com aquilo tão desmesurado.
Foi então que ecoou por todas as praças e ruas da vila um grito furioso. O que disse foram palavras que ficaram gravadas para sempre nos anais de Guimarães:
- Ah, fideputa, vais engolir isso!
E assim foi. Daí a pouco, encontravam-no, curvado, morto, roxo e irremediavelmente asfixiado com aquilo enterrado até às goelas.
Celebrando o feito de Alzira, os vimaranenses resolveram perpetuar o martírio do infortunado capinha Nicolau Perdigão, mandando esculpi-lo em pedra e colocando-o naquela esquina da torre da Colegiada, para memória e escarmenta de outros que tais vindouros.
É de mulheres como a Alzira que Guimarães precisa. E necessita.
ResponderExcluiraiii...que dor!
ResponderExcluirConsta que esta Alzira foi uma grande parideira, tendo deixado uma vasta prole. O que agora não devem faltar em Guimarães são Alziras. Eu conheço algumas, bem bravias e desbocadas.
ResponderExcluirInda hoje não me tenho das cruzes...
ResponderExcluirEsta história, tão exemplar e proveitosa, deveria constar nos guias do Centro Histórico da Zona de Turismo de Guimarães. Estou certa de que tem mais verdade do que aquela que agora lhes deu apra contarem sobre o tipo das duas caras, onde embrulham Ceuta, Guimarães e Barcelos.
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