quinta-feira, 25 de outubro de 2007

A Difícil Vida Na Citânia

Bartildun ruminava no seu jardim, dando às malvas o portador da mensagem que acabara de lhe chegar. Por diversas vezes invocou o nome de Nabia em vão, como outras tantas, antes dessas, em vão, o invocara. Era pesado o momento. Bursu, sua filha única e tesouro maior do humilde caçador, era perdida às mãos e outras partes do vigoroso, Ebarcor, “O Desfibrilhador”, filho de Burun.

Ficou, assim, entre atónito e angustiado, matutando no feito até ao anoitecer. Rogou pragas, espezinhou ervas e flores, pontapeou gravilha, remoeu em silêncio. Cara fechada e punho tenso, inopinada e distraidamente afagou diversas vezes a alabarda que jazia, encostada ao muro que delimitava o seu pequeno jardim. Hesitou ainda recorrer à justiça, mas a sua raiva não podia esperar.

A coberto do ocaso, saiu a pé e, após galgar os sucessivos muros que delimitavam e protegiam a civitas, sem se deixar detectar, percorreu firme os atalhos que, mesmo sem luz, reconhecia, primeiro a descer São Romão, posteriormente e sempre, na direcção de Sabroso. Sabia onde encontrar o meliante e já nem via bem, apesar da lua cheia. Na sua mente, cruzavam-se ideias várias, incoerentes, de como tudo devera ter ocorrido, o animal possuindo a sua filha, à bruta, o seu suor fétido pingando sobre o dorso alvo da adolescente. Por um momento, sentiu uma vaga excitação e enleou-se em pensamentos lúbricos, mas depressa retomou a sua determinação anterior, ao embater no tronco indelicado de um pinheiro.

Encontrou-o, bêbado, fora das muralhas, como previra, a dormitar sobre a hacaneia, quase a cair. Empunhou o punhal que seu pai, como ele caçador, lhe legara e, áspero, atirou:

- Ebarcor, filho de Burun! Um destes dias fodo-te!

Ebarcor, tentou endireitar-se, o que resultou apenas numa queda, e choramingou, quase a vomitar:

- Nabia m’arrebente, paizinho, se não amo a cachopa! Não se afadigue que antes de cumpridas duas jornadas, irei almoçar a sua casa, por mor de a desposar!

Bartildun chegou a casa às primeiras luzes da alvorada, entrou em silêncio, beijou a fronte de sua filha e, depois de se aquecer com o fogo que crepitava ainda ao centro da habitação, encostou-se o mais que pode à sua companheira, sussurrando-lhe ao ouvido:

- Amanhã, prepara o bornal que vou sair a caçar todo o dia e toda a noite! E adormeceu, na ilusão de que Ebarcor não era um grande mentiroso.

Um comentário:

  1. Bem me parecia que esses castrejos também eram, com a vossa licença, fodidos.

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