quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Crestomatia Vimaranense - 2

Se nenhum atrevido, dos que têm a mania de se atreverem, por falta de que fazer, ousará negar que todo o tempo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades, além de que atrás de tempos, tempos virão, existem evidências que nos levam a acreditar que ele há coisas que, mesmo mudando o tempo, nunca mudam e são sempre como de costume. Pelo menos em Guimarães, como já veremos, no Capítulo II da antologia da alma vimaranense:


O “Pinheiro”

A pedido de vários bicos e bicas publicamos a seguir o relato deste tocante e bombástico cortejo académico:

Hoje, ao romper do dia, a cidade acordará estremunhada pelo estampido formidável de uma girândola... de bichas de rabusco. (Só ouvirão o estrondo aqueles que estiverem na graça da “Ortiga”; isto é, todos os que tiverem cumprido com a sua obrigação, assinando o nosso jornal e pagando a sua assinatura adiantadamente, e sem refilar)…

Pouco a pouco ver-se-á algum povo pelas ruas, outro pelas ingreijas, outro em casa ainda a ferrar o galho, outro a comprar e a vender, na praça do mercado, etc., etc., etc. e tal…

Pela tardinha, alguns estudantes percorrerão as ruas do burgo, todos contentinhos e sem lhes caber uma fajeca, a bater em caixas e a bater em bombos, rijamente, numa grande reinação. E haverá Manéis e Manelas a olhar para aquilo tudo, espantados, com os olhos abertos como a Porta da Vila, como se nunca tiveram visto…

À noite, mais ou menos pelas horas do costume, virá, mais ou menos do sítio do costume, um pinheiro, do tamanho mais ou menos do costume, num carro que será puxado pelas juntas de bois mais ou menos do costume; e seguirá o itinerário do costume, até ao local do costume, onde será prantado ao alto, como de costume. (Quem não souber o que é do costume, é... como quem não vê: mas em chegando logo a noite já fica a saber tudo – se quiser –, nem que seja tapado como um calhau e mais burro do que um jumento). À frente do pinheiro irão, como do costume, algumas caixas e bombos (este ano espera-se que o número de tocadores cresça... a metade com outros tantos); e atrás levará a música, atacando a sinfonia do costume. Etc. etc, etc. Haverá bastantes senhoras pelas janelas dos prédios; e, pela rua fora, muita gente a andar com os pés, e vários basbaques parados a ver (isto, está claro, sem ofensa, e não desfazendo em quem está presente; nós também lá estaremos).

Depois da chegada do bicho, que virá como um cadáver morto estendido ao comprido, será servida aos lavradores uma ração de broa, figos (não confundir este termo), e não sabemos que mais. Os boizinhos mascarão em seco… a fresquinha, o taro, o basqueiro; e os donos engavetarão para o saco, como uns alarves. É esta uma função muito interessante: tão interessante, tão interessante, tão interessante, que até há criaturas que morrem de pasmo a presenciá-la.

Nesta noite também é costume aparecerem bastantes palermas, que agarram na maçaneta e se fazem passar por académicos: por isso recomendamos cuidado com as falsificações... Depois, às tantas da madrugada, terão lugar as clássicas vòvedeiras… (cada uma, de tremer céu, terra e mar)... E assim terminará a chegada triunfal do “pinheiro”.

[Dos recortes do meu tio Desidério Galhardo. Este texto saiu originalmente no jornal A Ortiga, n.º 2, ano 1, 29 de Novembro de 1925, mas que bem podia ser publicado no Notícias de Guimarães de amanhã, no Expresso do Ave do ano que passou, no Povo de Guimarães do ano que virá ou no Comércio de Guimarães de 1898.]

Um comentário:

  1. eu queria era que o pinheiro e as nicolinas fossem para braga e que o vitória fosse definitivamente para a 3º e que a colina sagrada fosse terraplanada, a penha é feia, horrivel só calhaus e ervas infestantes e já agora levem também o afonso henriques que para superar o sidroma/complexo de ter uma pila pequena resolveu fazer um pais etc, gosto muito do café toural mas lá só param onanistas

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