Tenho que fazer uma confidência, em forma de expiação. Ontem de manhã, quando falei ao Aldo Nim da Entrevista, chamei-lhe ignorante por ele não conhecer o colossal PCF. Estava a dar-me ares. Vejo-me forçado a penitenciar-me: eu, Honoré de Balazar, logo eu, que carrego este nome tão literário e que vivo mergulhado no meio de livros, também nunca tinha ouvido falar em tal escritor, nem sequer tinha colocado a vista em cima de qualquer livro seu. Para me redimir, varei a madrugada à procura de descobrir alguma coisa sobre a obra do magnificente autor. Descobri que o homem já escreveu para cima de muitos livros. Antes de publicar o primeiro romance, já tinha escrito mais de meia dúzia. A sua escrita é densa e carregada de imagens de grande riqueza onírica, elegância e finíssimo recorte literário.
“Na rua, um homem sem mão e sem punho diante de mim e de um filho com o desejo, imparável, de conhecimento. “Pai, que nome se dá àquele homem que, para além de maneta, também não tem punho”, pergunta.”
[Qualquer coisa resultante da soma do substantivo punho com o sufixo eta, pensareis vós, que, bem o sei, sois dados a trocadilhos fáceis. Mas o monumental escritor, que não é da vossa laia, espetou um vidro em cada olho do decepado e respondeu, candidamente, à pergunta do seu petiz: “Cego, meu filho. Cego”. Sublime!]
Para nosso enlevo e deslumbramento, o futuro Prémio Nobel da Literatura produz uma escrita de grande elevação poética, carregada de imagens profundas, inspiradas e de apurado bom gosto, traços que estão bem presentes no seguinte trecho:
“Acreditar que um “sim” virado ao contrário é, na realidade, um “não” é como acreditar que uma mulher virada ao contrário é um homem. Uma mulher virada ao contrário é, na pior das hipóteses, um 69 bem feito.”
O genial escritor é cultor da complexidade conceptual do discurso filosófico. De um texto intitulado “Teorização metafísica. Ou apenas estupidez”, que encontrei no mesmo número do jornal que publicou A Entrevista, extraio uma frase que é um portento de profundidade, requinte estilístico e incontinência adverbial:
"Um estúpido é, quase sempre, extremamente politicamente correcto na sua estupidez."
Além do mais, o escriba é profundamente versado em zoologia, porque:
“Tem, desde pequeno, a certeza de que o Homem é o único constituinte do reino animal.”
Mas é mesmo quando titila o fascinante tema da estupidez que se revela mais escorreito e conhecedor:
“A estupidez é algo, efectivamente, genético. Pergunte o nobre leitor, se tiver dúvidas, ao meu pai.”
[Eu, plebeu leitor, não tenho dúvidas por aí além, mas acho que o desmedido escritor deveria conformar-se à sua natureza, evitando essa coisa feia de atirar as culpas para as costas do senhor seu pai. Não havia necessidade.]
E pronto, já posso dormir descansado.
Já sei quem é o PCF.