domingo, 26 de abril de 2009

Santidade e Peixe Frito

D. Afonso Henriques: Milagre de Ourique.

Era uma vez um bravo militar, muito conhecido pela sua propensão para limpar o coiro à espadeirada aos castelhanos, famigerado pelos seus feitos na Batalha de Aljubarrota e pelas incursões ao outro lado da fronteira com Espanha que, durante longos anos, encabeçou. Em chegando à terceira idade, tendo gozado a sua parte dos prazeres carnais e terreais, entre os quais se incluía o de trespassar castelhanos com a sua celebrada espada, fez-se pio e carmelita, entrando para o Convento do Carmo, onde viveu em recato os últimos anos da sua longa vida. Porém, mesmo ali, nunca lhe terá desfalecido a vontade de matar espanhóis, como se vê de certo episódio muito virtuoso ocorrido em certa visita que D. João I lhe fez. Tendo-lhe o rei perguntado o que faria se Castela voltasse a invadir Portugal, D. Nuno levantou as saias, mostrando que podiam contar com ele. Debaixo do hábito, lá estava a cota de malha, para o que desse e viesse, sempre pronta para o retorno ao seu passatempo favorito, esfolar espanhóis*. Isto passava-se algures entre os séculos XIV e XV. Já se tinha chegado ao XXI, quando D. Guilhermina de Jesus, que frigia peixe, foi atingida num olho por salpicos de óleo fervente, que lhe causaram uma lesão para a qual os médicos não teriam remédio, mas de que se sentiu aliviada depois de se apegar com D. Nuno, de quem era muito devota. Milagre, disse a Santa Madre de Roma, que se apressou a fazer santo o milagreiro. Até aí, nada a embargar: como o Cristiano Ronaldo, o Durão Barroso, o Mourinho, o Saramago ou o cão do Obama, o santo da fritura é mais um português que brilha no mundo, inflamando o nosso ego pátrio e ajudando a desanuviar em tempo de crise. Pela minha parte, tencionava mesmo comemorar na Adega dos Caquinhos, com meio quarteirão de sardinhas fritas. Até que leio que um senhor bispo se lembrou de alvitrar que, na História de Portugal, o conde do estábulo “tem um papel tão marcante como o de D. Afonso Henriques”. Arre!, que já é demais: eu não sei de onde vem tamanha sanha contra o nosso primeiro rei. Meus caros senhores, o Santo Nuno do peixe frito nem de saltos altos chega aos calcanhares de Afonso Henriques. Nem mesmo na beatitude. O primeiro rei, a quem apareceu o Senhor, muito antes da Senhora se ter apresentado em cima de um chaparro aos três pastorinhos, também fez milagres. Também ele, muito antes do marechal de João I, teve ares de santidade e até um processo de canonização, que apenas encravou por acção de forças ocultas que lhe moveram uma campanha negra. Nada tenho contra o vosso santinho, mais o nascente negócio das imagens e das medalhinhas, que sempre será um contributo para a reanimação do nosso tão depauperado Produto Interno Bruto. Mas façam o favor de não se meterem com os nossos. Deixem Afonso Henriques sossegado.

*Por ironia, não tarda muito, dizem que o homem era espanhol. Já começam a preparar o terreno, baptizando-o com nome espanhol.

2 comentários:

  1. “Quanto a Nun’Álvares, a sua avidez e ganância são atestadas por numerosos incidentes, conflitos e reclamações. Assim, por exemplo, quando D. João I lhe doou os direitos de Almada, Nun’Álvares achou pouco e tomou conta, por sua iniciativa e abuso (sancionado depois com uma demanda) dos esteiros de Arrentela e Corroios. Os seus rendimentos provenientes das doações feitas por D. João I foram avaliados em 16.000 dobras cruzadas. Mais de uma vez, quando resistiam à sua desmedida ganância e à dos seus apaniguados, Nun’Álvares ameaçava… abandonar. Lutar, lutava. Mas mais bem pago que o rei. Assim Nun’Álvares se tornou senhor de Barcelos, Braga e Guimarães, Montalegre e Chaves, Ourém e Porto de Mós, Alter do Chão e Sousel, Borba e Vila Viçosa, Estremoz e Arraiolos, Montemor-o-novo e Portel e ainda Almada, Évora-Monte, Monsaraz, Loulé e muitos e muitos outros reguengos e muitas e muitas outras rendas de muitos e muitos lugares. É de um homem destes que a Igreja Católica fez um Santo, erguendo-lhe uma igreja em Lisboa aonde os pobres vão orar-lhe e pedir-lhe a sua intervenção junto de Deus…”


    Álvaro Cunhal, “As Lutas de Classes em Portugal nos Fins da Idade Média”, ed. Estampa, 1975

    ResponderExcluir
  2. Estou fazendo uma campanha de doações para meu projeto de minibiblioteca comunitária e outras atividades para crianças e adolesçentes na minha comunidade carente aqui no Rio de janeiro,preciso da ajuda de todas as pessoas de bom coração,pode doar de 5,00 a 20,00. Doações no Banco do Brasil agencia 3082-1 conta 9.799-3 Que DEUS abençõe todos nos. Meu e-mail asilvareis10@gmail.com

    ResponderExcluir

Avisam-se todos os nossos clientes que a tabuleta onde se lê RESERVADO O DIREITO DE ADMISSÃO tem uma função meramente decorativa. Neste café pratica-se a liberdade de expressão, absoluta até certo ponto. Qual ponto? É o que falta saber.