domingo, 27 de abril de 2008

Quando Tanto É Muito, Mais Pode Ser Pouco

O meu exercício quase diário de leitura dos jornais costuma resumir-se a uma passagem de olhos pelas primeiras páginas, à porta do quiosque Cuca. Quem, como eu, das notícias já não consegue passar dos títulos, não raramente fica baralhado. Muitas vezes, lendo as gordas, percebe-se que os acontecimentos acontecem de maneira radicalmente diferente, em função dos jornais que narram o acontecido. Nada de anormal: cada um gosta de contar os contos à sua maneira, acrescentando-lhe cada qual tempero a gosto. Agora, se o mesmo jornal, no mesmo dia, em dois títulos que remetem para a mesma notícia, diz coisas diferentes, já acho um pouco estranho. É assim no Público de hoje. No rodapé da primeira página, apontando para a página 14, li o título: “Capital da Cultura / Guimarães vai custar mais do que a Casa da Música”. Tive um súbito assomo de vimaranensidade, fiquei em pulgas, quis saber mais, comprei o jornal, desfolhei-o até à página 14, li o título: “Capital Europeia da Cultura de 2012 vai custar tanto como a Casa da Música”. Fiquei confuso: vai custar mais do que? Ou vai custar tanto como? Entre o mais e o tanto, que diferença vai? Custando mais ou custando o mesmo, vai custar muito? ou vai custar pouco?

Depois de pensar um pouco, concluí que, se Guimarães só tivesse para gastar, com toda a festa de 2012, o mesmo que o Porto gastou com só um item do programa de 2001, isso não seria gastar pouco, seria um insulto. Não, não e não! Jamais poderíamos aceitar tal ultraje, tanto menosprezo, tamanha ofensa, semelhante agravo.

Depois de pensar mais um pouco, deu-me para fazer contas e fiquei com este sorriso quase obsceno, de orelha a orelha. A Casa da Música tinha um orçamento inicial de 16,25 milhões de euros e, no fim de contas, mais derrapagem, menos derrapagem, ficou por 100 milhões. Ultrapassou, portanto, mais de 6 vezes o orçamentado. Para Guimarães está previsto um orçamento de 111 milhões de euros. Acreditando que ninguém ousará impedir-nos de praticarmos um dos desportos nacionais predilectos, a derrapagem orçamental (quem poderia ousar?), e dando como adquirido que a Casa da Música será o nosso termo de comparação, temos o direito inalienável de aplicar o mesmo multiplicador ao orçamento inicial. Vamos, pois, gastar 683 milhões. Se a quantia não é estratosférica (diria mesmo que será um tanto ou quanto módica, se não modesta), sempre deve dar para umas dúzias de foguetes.

4 comentários:

  1. Haja calma, não será essa fartura toda.
    A seguir o exemplo do Porto, um dos eventos ou realizações, pode derrapar isso tudo, mas, no cômputo geral, a derrapagem só poderá ser de uns 40%, mais coisa, menos coisa... (PCEC2001: 182,3 orçados, para 300,9 milhões de euros efectivamente gastos).
    Quanto à programação, podemos perfeitamente estar à vontade e não realizar, como eles, uns 25% da receita prevista. Basta, para tanto, acolher espectáculos que deixem as salas às moscas, ou cheias apenas de convidados, como acontecem, com esses vizinhos...

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  2. Não sejas inconveniente, meu caro MdS. Os números, mentirosos como Judas, são para serem usados com imoderação conforme a necessidade argumentativa, o interesse e a conveniência. E, convir por convir, concordarás que 600% é um pouco mais conveniente do que 40%. Portanto, a Casa da Música será a nossa bandeira.

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  3. Já cá não está quem falou (e não estou mesmo, que fui a banhos p'ras Taipas... coisas da vesícula)!
    Como quem arranjou o termo de comparação não fomos nós... fica tudo bem!
    Abraço forte...

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  4. Parabéns pelo texto.
    Aí está uma opinião bem formulada.

    Espero estar cá para assistir em directo a esse jogo de curling a pesos de ouro em Guimarães 2012.

    O que achas do orçamento inicial do Aeroporto de Alcochete 2017 ser de 4,9 mil milhões de euros? Gostava de saber a tua opinião.

    Parabéns mais uma vez.

    Cumprimentos,
    Henrique

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