domingo, 6 de julho de 2008

A Propósito dos Atrancamentos, Um Sinal Contra o Acordo Linguístico


Antigamente, o dia dos atrancamentos era na véspera do S. Pedro. Os rapazes da aldeia larapiavam tralhas de todo o género e atrancavam os caminhos com elas. Foi esta prática muito antiga a fonte de inspiração das solenes roubalheiras dos nossos nicolinos. Em tempo bem mais recente, também foi aí que foram beber os nossos imaginativos industriais de comes & bebes para introduzirem essa novíssima tradição de atrancarem a via pública, a seu bel-prazer, com mesas, cadeiras e guarda-sóis.

Ainda ontem, sábado, já no lusco-fusco do sol posto, como estava de telha, resolvi socializar com umas simpáticas e dadivosas moçoilas originárias das terras de Vera Cruz, que sociliazam generosamente no Paris, Night-Club, aberto das 14 às 4 da matina na nossa única avenida digna de ostentar o nome do primeiro rei. Descida a Avenida até meio, e apesar do adiantado da hora (Paris já devia estar aberta há pelo menos umas 7), dei com o nariz na porta. Como não sou homem para desistir perante o primeiro obstáculo, pus pés ao caminho e resolvi descer o resto da magnífica artéria, com seu plátanos frondosos, em direcção à Caldeiroa, na esperança de socializar, em perfeita lusofonia, na Tasca da Perigosa.

Ia eu a modos que mergulhado nos meus pensamentos, em profunda meditação transcendental, quando colidi, de maneira violenta, lastimável e dolorosa, com objecto até aí não identificado estacionado no passeio. O que se passou a seguir decorreu numa fracção de segundos que durou, aproximadamente, uma eternidade. Tinha acabado de esmurrar o joelho direito contra uma mesa, ali plantada com seu par de cadeirinhas, em frente à montra de uma pastelaria com nome de flor promovida a casa de pasto. Sem que tivesse tempo de dizer um ai!, senti o meu olho esquerdo vazado pela vareta do guarda-sol que protegia, sob sua copa magnífica, os eventuais utentes de mesa e cadeiras da memória dos ardores do Sol, que por ali passa de manhã. A dor, aguda e cruciante, induziu-me a pronunciar uma carreirada de expressões, no mais perfeito calão carroceiro de que sou capaz, que aqui não reproduzirei para não chocar os leitores, que sei sensíveis, mimosos e de educação esmerada. Estava eu ainda a admirar o magnífico céu negro e estrelado que se abriu à frente dos meus olhos, quando ouvi alguém aos berros, verbalizando o que eu tinha calado para poupar os leitores:

- Ai os meus colhões! Foda-se, puta que pariu, esta merda dói pra caralho!

Abri o olho direito e vi um senhor aninhado no chão, agarrado aos baixios do vente e a urrar como um boi à entrada no matadouro. Ao cair, a ponteira do guarda-sol tinha ido embater nas suas partes mais dolorosas.

Acabei a noite, mais o meu parceiro de infortúnio, nas urgências do Hospital, de onde acabo de sair com um olho à belenenses e um imenso nevoeiro no hemisfério esquerdo. Dizem os médicos que, com o tempo e umas gotas de colírio, o meu olho recuperará a plenitude da sua função. Já quanto à função das partes do outro infausto senhor, o diagnóstico foi bem mais reservado.

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